"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sábado, 12 de junho de 2010

A República proclamada por acaso


Desde junho que o primeiro-ministro do Império era o Visconde de Ouro Preto. Vetusto, turrão, exprimia os estertores do chamado “poder civil” da época, muito mais poder do que civil, porque concentrado nas mãos da nobreza e dos barões do café, com limitadíssimas relações com o cidadão comum. O Brasil havia saído da Guerra do Paraguai com cicatrizes profundas, a começar pela dívida com a Inglaterra, mas com novos personagens no palco. O principal era o Exército, composto em maioria por cidadãos da classe média, com ênfase para os menos favorecidos. Escravos aos montes também haviam sido libertados para lutar nos pântanos e charcos paraguaios. Nobres lutaram, como Caxias e Osório, mas a maioria era composta daquilo que se formava como o brasileiro médio.


Ouro Preto, como a maior parte da nobreza, ressentia-se daqueles patrícios fardados que começavam a opinar e a participar da vida política. Haviam sido peça fundamental na abolição da escravatura, em 1888. Assim, com o Imperador já pouco interessado no futuro, o governo imperial tratou de limitar os militares. Foram proibidos de manifestações políticas, humilhados e punidos, como Sena Madureira e tantos outros.


Havia, nos quartéis e em certos círculos políticos, um anseio por mudanças. Até o Partido Republicano tinha sido criado no Rio e depois em São Paulo, mas seus integrantes estavam unidos por um denominador comum: República, só depois que o “velho” morresse, pois era queridíssimo pela população. E quem passaria a mandar no Brasil seria um estrangeiro, o Conde d’Eu, francês, marido da sucessora, a princesa Isabel.


Cogitava, aquele poder civil elitista, de dissolver o Exército, restabelecendo o primado da Guarda Nacional, onde os coronéis e altos oficiais careciam de formação militar. Eram fazendeiros, em maioria. Os boatos ganhavam a rua do Ouvidor, no Rio, onde localizavam-se as redações de jornal.


Na tarde de 14 de novembro movimentam-se um regimento e dois batalhões sediados em São Cristóvão. Com canhões e alguma metralha, ocupam o Campo de Santana, defronte ao prédio onde se localizava o ministério da Guerra, na região da hoje Central do Brasil. Declararam-se rebelados e exigiam a substituição do primeiro-ministro, que lá se encontrava com seus companheiros. Comandados por majores, estava criado o impasse: não tinham como invadir o prédio, por falta de um chefe de prestígio, mas não podiam ser expulsos, já que as tropas imperiais postadas nos fundos do ministério não se dispunham a atacá-los.


O Secretário-Geral do ministério da Guerra era o marechal Floriano Peixoto, que quando exortado por Ouro Preto a investir à baioneta contra os revoltosos, pois no Paraguai haviam praticado feitos muito mais heróicos, saiu-se com frase que ficou para a História: “Mas no Paraguai, senhor primeiro-ministro, lutávamos contra paraguaios…”


Madrugada do dia 15 e os majores, acampados com a tropa revoltada, lembram-se de que ali perto, numa casinha modesta, morava o marechal Deodoro da Fonseca, há meses perseguido pelo governo imperial, sem comissão e doente. Dias atrás o próprio Deodoro recebera um grupo de republicanos, com Benjamim Constant, Aristides Lobo e outros, aos quais repetira que não contassem com ele para derrubar o Imperador, seu amigo.


Acordado, Deodoro ouve que dali a poucas horas Ouro Preto assinaria decreto dissolvendo o Exército. Não era verdade, mas irrita-se, veste a farda e dispõe-se a liderar a tropa. Não consegue montar a cavalo, tão fraco estava. Entra numa carruagem e acaba no pátio fronteiriço ao ministério da Guerra. Lá, monta um cavalo baio e invade o prédio, com os soldados ao lado, todos gritando “Viva Deodoro! Viva Deodoro!” Saudando-os com o agitar o boné na mão direita, grita “Viva o Imperador! Viva o Imperador!”. Apeia e sobe as escadarias, para considerar Ouro Preto deposto. Repete diversas vezes : “Nós que nos sacrificamos nos pântanos do Paraguai rejeitamos a dissolução do Exército.” Estava com febre de 40 graus. O Visconde, corajoso e cruel, retruca que “maior sacrifício estava fazendo ele ouvindo as baboseiras de Vossa Excelência!” Foi o limite para Deodoro dizer que estava todo mundo preso.


O marechal já ia voltando, o sol ainda não tinha nascido e os republicanos, a seu lado, insistem para que aproveite a oportunidade e determine o fim do Império. Ele reluta. Benjamin Constant lembra que se a República fosse proclamada naquela hora, seria governada por um ditador. E o ditador seria ele, Deodoro. Conta a lenda que os olhos do velho militar se arregalaram, a febre passou e ele desceu ao andar térreo, onde montou outra vez o cavalo baio. A tropa recrudesceu com o “Viva Deodoro! Viva Deodoro!” e ele agradeceu com os gritos de “Viva a República! Viva a República!”


Não havia populares nas proximidades, muito menos operários. Aristides Lobo escreverá depois em suas memórias que “o povo assistiu bestificado a proclamação da República.”


Preso no Paço da Quinta da Boa Vista, com a família, o Imperador teve 48 horas para deixar o Brasil. Deodoro quis votar uma dotação orçamentária para que subsistissem no exílio. D. Pedro II recusou, levando apenas pertences pessoais. A República estava proclamada.


A História do Brasil é feita de episódios como esse…

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