"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 3 de abril de 2011

O Brasil corre o risco de passar vergonha com problemas de infra-estrutura.






Alguns temem que apenas a metade dos projetos para a Copa de 2014 e para as Olimpíadas de 2016 termine a tempo.



São 8:00 da manhã no aeroporto internacional de São Paulo, sublimemente lotado, e Marvin Curie, vendo que todas as cadeiras estão ocupadas, decide juntar-se às dúzias de viajantes de negócios que estão ali e senta-se no chão.



Isto é, até o momento em que um líquido misterioso com cor de café toma o chão, vindo do banheiro masculino.



"Oh, Jesus!" exclama Curie, saltando para ficar de pé. Ele confere a parte de trás da calça, mas felizmente não há manchas.



"Eu odeio esse lugar", suspira o executivo americano da indústria farmacêutica, apontando para a tinta descascando da parede, as lâmpadas piscando e, acima de tudo, o excesso de gente. "É de se pensar que um país como o Brasil já teria resolvido esses problemas".


De fato, espera-se que cenas como essa tornem-se coisas do passado por aqui. O Brasil planeja investir mais que um $1 trilhão de dólares em projetos nesta década para melhorar seus horríveis aeroportos, estradas e infra-estrutura - um ambicioso boom de projetos que irá preparar o país para a Copa de 2014 e para as Olimpíadas de 2016, gerar uma infinidade de oportunidades para investidores estrangeiros e garantir o lugar do país entre as economias emergentes mais dinâmicas do mundo. Pelo menos, esse é o sonho.



Na realidade, as expectativas estão se desfazendo - rápido. Os grandiosos planos de infra-estrutura do Brasil parecem que ficarão muito aquém das ambições da presidente Dilma Roussef, de acordo com uma investigação da Reuters sobre or principais projetos de construção e entrevistas com quase doze importante líderes políticos, investidores, grupos de fiscalização do governo e outros.



Até mesmo figuras próximas da Dilma começam a expressar dúvidas. "Precisamos começar a controlar as expectativas", disse o ministro Orlando Silva, que supervisiona as preparações para a Copa do Mundo e Olimpíadas. 


"A idéia de que vamos compensar 30 anos de falta de investimentos em infra-estrutura em apenas 4 anos provavelmente nunca foi realista".



Numerosos projetos de larga escala tornaram-se vítimas de uma longa lista de problemas, incluindo aí a corrupção endêmica, a burocracia, fundos insuficiente e - acima de tudo - uma evidente falta de lideranças e competências. De acordo com estimativas independentes, menos do que metade dos projetos maiores que foram planejados em todo o país terminará a tempo.



A menos que Roussef e outros oficiais ajam rapidamente para superar os obstáculos, os investidores talvez precisem repensar algumas de suas previsões de longo-prazo mais otimistas para o Brasil. Os atrasos também levantam perguntas, sobre se as expectativas estão altas demais para as democracias de mercado emergentes, de forma geral, incluindo a Índia, África do Sul e outras, na medida em que tentam acompanhar a demanda de sua crescente classe média, mas não possuem a capacidade chinesa de implementar soluções rápidas e autoritárias.



São tantos grandes projetos atrasados que Pelé, a lenda brasileira do futebol, avisou em fevereiro que o Brasil corre o risco de "passar vergonha" durante a Copa do Mundo. O estádio onde ocorreria a partida de abertura em São Paulo nem começou a ser construído ainda, provocando uma briguinha pública com a FIFA. 




Mas este é apenas o problema mais visível. Pelé e outros dizem que as estradas, o tráfico aéreo, as redes de comunicação e outros sistemas podem simplesmente entrar em colapso sob o peso da demanda extra durante a Copa a menos que algum progresso ocorra em uma velocidade que o Brasil, até agora, não mostrou ser capaz de alcançar.


Silva tem ouvido os avisos e está preocupado. O solitário ministro do Partido Comunista brasileiro se encontrou na inesperada posição de ser um dos maiores incentivadores do investimento privado, viajando pelo país em reuniões de negócio e encontrando-se com governadores e prefeitos em um furioso esforço de última hora para desfazer os nós legais e regulatórios - bem como, muitas vezes, os bloqueios mentais - que impedem o progresso.



A coisa não vai bem



"As pessoas finalmente estão começando a perceber que estamos ficando sem tempo... que precisamos fazer mais e mais rápido," Silva disse. "Mas os recursos são poucos. E o trabalho é difícil".  Para ilustrar seu ponto, durante a entrevista em um restaurante em São Paulo, Silva viu que estava lá um senador do Ceará que ele havia encontrado um dia antes em uma reunião particularmente contenciosa para as preparações da Copa do Mundo.


"Então," disse o senador Inácio Arruda, sorrindo matreiramente, "vamos ter a Copa ou não?"

"O senhor está preocupado?" perguntou Silva.

"Você está deixando a gente preocupado".

"Tudo vai dar certo," replicou Silva, com alguns tapinhas nas costas do senador. "Mas vamos precisar de ajuda."



Talvez Silva consiga estar certo no final. Mas o verdadeiro dilema para o Brasil se resume a isto: se é tão difícil construir um estádio ou aeroporto antes da Copa, quando o mundo inteiro está olhando, o que então vai acontecer com os projetos que realmente importam. Isto é, e os portos, refinarias e estradas de ferro que são cruciais para o Brasil resolver os gargalos que permanecem entre ele e o status de nação desenvolvida na próxima década?



"As pessoas não estão discutindo isso publicamente, talvez porque os brasileiros preferem ser otimistas... (mas) a verdade é que estamos vendo uma mudança importante nas expectativas," disse André Glogowsky, presidente da Hochtief Brazil, uma das maiores empresas de construção do país, que já construiu represas hidroelétricas e outros grandes projetos de infra-estrutura aqui.



"Tem barreiras demais".



Nenhum caso demonstra melhor estas barreiras do que o abarrotado, difícil de chegar e relíquia dos anos 80 que é o aeroporto internacional de São Paulo - popularmente conhecido como Guarulhos. 




O congestionamento ocorre dentro e fora, e é tão ruim que os visitantes da capital brasileira de negócios são avisados para sair para o aeroporto pelo menos cinco horas antes que seu vôo parta. Os que conseguem ultrapassar a jornada de meros 24 quilômetros, que só é possível realizar de carro, são recepcionados por filas caóticas e mutantes que serpenteia pelo terminal principal; cartazes nos banheiros avisando da possibilidade de furtos, e, claro, a ocasional poça de imundície vazando dos canos. 




Guarulhos foi classificado como o pior dos 26 principais aeroportos da América Latina em uma pesquisa de viajantes de negócios publicada em fevereiro na revista Latin Trade.



A superlotação é, como muitos dos gargalos no Brasil, parcialmente devido ao crescimento econômico surpreendente. O tráfego de passageiros dobrou nos últimos sete anos e cresceu 21 por cento em 2010, enquanto milhões de Brasileiros juntaram-se à classe média e voaram pela primeira vez. Porém, existe uma outra explicação um pouco mais sórdida.



A Infraero, agência governamental que opera os aeroportos do Brasil, já há muito tempo é uma das organizações mais disfuncionais do país. Nada menos que um terço dos engenheiros da Infraero estão atualmente suspensos de seus trabalhos normais por causa de suspeita de corrupção ou outras irregularidades, conforme foi dito à Reuters por três fontes com conhecimento direto da agência. As fontes falaram sob condição de anonimato em função da importância do assunto. A Infraero negou as alegações.



Os engenheiros têm sido críticos de qualquer expansão do aeroporto, o que ajuda a explicar porque a Infraero não mais planeja finalizar um novo grande terminal por volta de meados de 2014 - o que teria sido em cima da hora para lidar com os visitantes da Copa do Mundo. Enquanto isso, a Infraero mal consegue atualizar as instalações existentes. 








Dos quase $3.3 bilhões orçados para melhoramentos de aeroportos nas 12 cidades que irão hospedar os eventos da Copa,apenas dois por cento foram gastos até agora, de acordo com o Contas Abertas, um grupo independente que monitora as contas do governo.



Há um grande motivo para isso: os funcionários da Infraero normalmente recusam-se a assinar contratos públicos porque vários de seus colegas foram processados em investigações de fraudes, disse Alex Fabiano, presidente da associação de empregados da Infraero. "Todos nós vimos famílias e carreiras arruinadas por mera suspeita de corrupção," disse Fabiano. "Alguns projetos não vão em frente porque ninguém quer colocar seu nome neles".



A esperança da Infraero, e de todo o Brasil, era que a Copa e as Olimpíadas iriam prover um argumento irrefutável para o país se colocar no lugar - não apenas pelos eventos esportivos, mas pelo bem maior de longo prazo de um país no qual engarrafamentos, blackouts e filas quilométricas de caminhões em portos superlotados durante a colheita são rotina.



Entretanto, pouco depois que Roussef assumiu no dia 1o de janeiro, oficiais disseram que os aeroportos provavelmente teriam que depender de "módulos" temporários, semelhantes a barracões para receber os passageiros da Copa do Mundo - não apenas em Guarulhos, mas em outras cidades também. "Esperávamos que a Copa fosse levar à uma expansão mais profunda", disse Fabiano. "É uma vergonha o que a corrupção fez".



Se alguém merece uma medalha por lidar com os problemas do setor público brasileiro - e aturá-los com paciência quase super-humana - é provavelmente Luís Valença. Valença dirige a ViaQuatro, um consórcio privado que opera a Linha 4, a mais nova linha de metrô de São Paulo. 




Segundo o negócio, uma das primeiras parcerias público-privadas (PPP) do Brasil, o governo do Estado de São Paulo iria construir os túneis e estações da linha e a ViaQuatro iria então operar a concessão por 30 anos. Nos trilhos fora da companhia, diversos trens novinhos, brilhantes e topde linha vindos da Coréia permanecem esperando a hora do trabalho. O metrô será um dos mais confortáveis e modernos do mundo. Assim que o governo do estado terminar a construção.



O atraso: 42 anos e contando.



"Não esperávamos tantos ajustes no cronograma", diz Valença com um ensaiado eufemismo e um sorriso oblíquo. Os planos para a Linha 4 têm estado nos livros desde 1969, quando o governo da cidade de São Paulo primeiro desenhou o projeto para a expansão do metrô para aliviar o tráfico na que é agora uma metrópole com cerca de 20 milhões de pessoas. Mesmo assim, o sistema mal se expandiu desde o fim da década de 70, e a linha 4 sofreu tantos acidentes fatais, processos legais e outros problemas que os tablóides dizem que é "amaldiçoada".



A história do que deu errado começa com um número: 1,825,059,944,843. Essa foi - é quase inimaginável - a percentagem acumulada da inflação no Brasil entre 1968 e 1993 - um período que viu o governo federal, esmagado sob o peso de ineficientes companhias estatais, teve uma falência funcional e imprimiu dinheiro para cobrir os débitos. O governo finalmente começou a por as contas em ordem em 1994, introduzindo uma nova moeda e privatizando as empresas, reformas que preparam o palco para o atual boom econômico do Brasil.



"Foram mais de 30 anos perdidos, não apenas para esse projeto mas para praticamente todo grande projeto no país," disse Jurandir Fernandes, o secretário de transporte do estado de São Paulo, que é responsável pela construção da Linha 4.  "Estamos sofrendo as conseqüências". De fato, um dos grandes problemas que o Brasil encara parece até simples demais para ser verdade: não existem pessoas suficientes com experiência para executar grandes projetos.


Silva, o ministro do esporte, disse que na primeira reunião que presidiu para discutir propostas para os projetos relacionados à Copa do Mundo, incluindo a Linha 4, alguns governadores e prefeitos apareceram com nada além de alguns documentos de texto que diziam pouco mais do que "construir um metrô do aeroporto até o centro".



José Baião, o presidente da associação de engenheiros do Metrô de São Paulo, disse que "toda uma geração" de seus colegas teve todo o treinamento necessário para os seus trabalhos, mas falta-lhes a experiência prática porque muito pouca construção de metrô aconteceu na cidade. "Tentamos ir de zero projetos a cem projetos, e isso é impossível," disse Baião. "O capital humano não funciona desse jeito... especialmente em campos técnicos como esse."



Um serviço parcial entre duas estações finalmente debutou em maio de 2010, permitindo ao então governador de São Paulo, que estava concorrendo a presidência, dizer que inaugurou a linha. Entretanto, nove meses depois, nenhuma estação nova abriu e os serviços permanecem restritos das 8 da manhã às 3 da tarde até que os engenheiros terminem de conduzir os testes, diz Fernandes. A data estimada atualmente para a conclusão da Linha 4?  "2014", replica Fernandes. Garantido? "Estou confiante," ele disse. 

"Mas você tem que lembrar que isso aqui é Brasil".


por: BRIAN WINTER, REUTERS
31 de março, 2011
Tradução: Fábio Lins Leite

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