O que separa um liberal de um socialista na política brasileira? Nada.
O que pode reuni-los? Qualquer coisa que sirva para alcançar e manter-se no poder.
O que pode determinar a troca de posições entre parlamentares de esquerda e de centro-direita (já que, sabemos todos, não há direita no Brasil)? Uns 15 reais no salário mínimo. O que separa um tucano de outro? Mais 40 reais. O que reúne todos eles? A completa falta de programa, a eliminação de qualquer compromisso nem digo com uma doutrina, mas com um mísero par de idéias.
O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, do Democratas e ex-Partido Liberal, está a caminho do Partido Socialista Brasileiro, como se fosse um movimento natural. E é. Nesse trânsito, não importa o programa dos partidos, mas em qual deles aumenta a chance de ganhar eleições.
O Democratas está acabando, não porque seja liberal. Seria se o partido tivesse apresentado à sociedade uma plataforma pró economia de mercado — por exemplo, diminuição do tamanho e da interferência do Estado, melhoria do ambiente de negócios para o empreendedor privado, corte de gastos públicos, redução de impostos, privatizações — e tivesse sido derrotado nas urnas.
Não foi assim. O partido apresentou uma colcha de retalhos, variando conforme o Estado, tentando dizer que apoiava aquelas políticas que apareciam bem avaliadas nas pesquisas de opinião. O povo gosta do Bolsa Família? Ótimo, prometa ampliá-lo. (Aliás, quem pode ser contra isso?) O pessoal quer mais salário-mínimo. Prometa 600 reais, mais que o governo do PT.
Claro que deveria perder. Com a economia andando bem — salários e crédito em alta, desemprego em baixa — por que o povo votaria contra o governo e a favor de um partido que prometia fazer a mesma coisa?
Na outra ponta, o Partido Socialista Brasileiro também não apresentou uma plataforma de esquerda — mais presença do Estado na economia, estatizações, controle socialista da produção e da distribuição, limites à empresa privada. Apenas se atrelou à popularidade do presidente Lula.
Ora, o PSB tem sua maior figura no governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que precisa ampliar sua presença nacional, especialmente em direção ao Sul/Sudeste, para aspirar uma candidatura à presidência da República. Assim, o partido ganharia musculatura eleitoral com o prefeito da maior cidade do país e sua turma, que pode incluir o governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo, e a senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil. Sim, ela em pessoa, no ninho socialista.
Mas não são socialistas, diria um militante antigo do PSB. Certo, mas quem é? De todo modo, liberais é que não são. Logo, todos se juntam, para que um ajude na eleição do outro.
Tudo se confirmando, a oposição se reduzirá ao PSDB. Mas qual oposição? A que propõe o salário mínimo de 600 reais, que simplesmente aumenta a despesa do INSS em R$17 bilhões, num momento em que o gasto do governo federal precisa ser reduzido?
A proposta de José Serra parece o que é, demagogia. Como é possível acreditar nisso vindo de um partido que, no governo FHC, implantou no país o muito bem-sucedido sistema de controle das contas públicas, cristalizado na Lei de Responsabilidade Fiscal?
A propósito, qual a proposta tucana não para o mínimo deste ano, mas para a previdência pública? Mais ainda, qual a doutrina social-democrata para a educação, por exemplo? A pergunta faz sentido. Em São Paulo, a joia da coroa do PSDB, a vitrine, o governo Serra/Alberto Goldman implantou um modelo moderno (baseado no mérito, remuneração maior conforme a qualificação dos professores e os resultados das escolas) que está sendo desmontado pelo novo governador Alckmin, também tucano, claro.
De outro lado, qual a proposta do PT e do governo Dilma para a Previdência? Nada. Tanto que colocaram no Ministério da Previdência um político que jamais pensara no assunto.
A presidente fez mais de um discurso contra a indexação dos preços, mecanismo de correção pela inflação passada e que perpetua essa inflação. E se abraça a um projeto de reajuste do salário mínimo que é uma superidenxação de um preço crucial na economia.
A agenda brasileira coloca inúmeras questões de médio e longo prazo. Educação, por exemplo. Nossas escolas públicas são ruins. Qual partido propõe e defende um plano firme para o ensino nacional? O PSDB tem um? Não, um pedacinho do partido tinha.
Previdência. O déficit somado do INSS e do sistema de aposentadoria dos funcionários públicos bateu em R$110 bilhões no ano passado. Conta para nossos filhos e netos. Os políticos odeiam tratar desse assunto, a não ser para aumentar o mínimo que piora essa conta.
Produção de alimentos. O Brasil tem a oportunidade única de ser o maior produtor de alimentos de um mundo que demanda cada vez mais comida. Qual a proposta estratégica para isso? Sim, Kátia Abreu tem a proposta do agronegócio, mas que não se tornou programa nem do Democratas.
Infraestrutura. Como construí-la em um momento em que o governo já gasta demais, mas não em investimentos? Vamos de privatização? Se não, onde arranjar recursos e competência?
E por aí não vamos. Como a política se faz no dia a dia, no caso do momento, de fato não importa se o cara é liberal, socialista, esquerdista ou social democrata. Ideias, dizem que não precisa. Mas a criação do Real, por exemplo, não resultou de boas ideias e boas práticas? Hoje, não tem ninguém na política que sequer se aproxime daquela turma do Real.
Texto publicado no O Globo.
CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista.
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