"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Sequer um mísero par de ideias



O que separa um liberal de um socialista na política brasileira? Nada. 
O que pode reuni-los? Qualquer coisa que sirva para alcançar e manter-se no poder.

O que pode determinar a troca de posições entre parlamentares de esquerda e de centro-direita (já que, sabemos todos, não há direita no Brasil)? Uns 15 reais no salário mínimo. O que separa um tucano de outro? Mais 40 reais. O que reúne todos eles? A completa falta de programa, a eliminação de qualquer compromisso nem digo com uma doutrina, mas com um mísero par de idéias.

O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, do Democratas e ex-Partido Liberal, está a caminho do Partido Socialista Brasileiro, como se fosse um movimento natural. E é. Nesse trânsito, não importa o programa dos partidos, mas em qual deles aumenta a chance de ganhar eleições.

O Democratas está acabando, não porque seja liberal. Seria se o partido tivesse apresentado à sociedade uma plataforma pró economia de mercado — por exemplo, diminuição do tamanho e da interferência do Estado, melhoria do ambiente de negócios para o empreendedor privado, corte de gastos públicos, redução de impostos, privatizações — e tivesse sido derrotado nas urnas.

Não foi assim. O partido apresentou uma colcha de retalhos, variando conforme o Estado, tentando dizer que apoiava aquelas políticas que apareciam bem avaliadas nas pesquisas de opinião. O povo gosta do Bolsa Família? Ótimo, prometa ampliá-lo. (Aliás, quem pode ser contra isso?) O pessoal quer mais salário-mínimo. Prometa 600 reais, mais que o governo do PT.

Claro que deveria perder. Com a economia andando bem — salários e crédito em alta, desemprego em baixa — por que o povo votaria contra o governo e a favor de um partido que prometia fazer a mesma coisa?

Na outra ponta, o Partido Socialista Brasileiro também não apresentou uma plataforma de esquerda — mais presença do Estado na economia, estatizações, controle socialista da produção e da distribuição, limites à empresa privada. Apenas se atrelou à popularidade do presidente Lula.

Ora, o PSB tem sua maior figura no governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que precisa ampliar sua presença nacional, especialmente em direção ao Sul/Sudeste, para aspirar uma candidatura à presidência da República. Assim, o partido ganharia musculatura eleitoral com o prefeito da maior cidade do país e sua turma, que pode incluir o governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo, e a senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil. Sim, ela em pessoa, no ninho socialista.

Mas não são socialistas, diria um militante antigo do PSB. Certo, mas quem é? De todo modo, liberais é que não são. Logo, todos se juntam, para que um ajude na eleição do outro.

Tudo se confirmando, a oposição se reduzirá ao PSDB. Mas qual oposição? A que propõe o salário mínimo de 600 reais, que simplesmente aumenta a despesa do INSS em R$17 bilhões, num momento em que o gasto do governo federal precisa ser reduzido?

A proposta de José Serra parece o que é, demagogia. Como é possível acreditar nisso vindo de um partido que, no governo FHC, implantou no país o muito bem-sucedido sistema de controle das contas públicas, cristalizado na Lei de Responsabilidade Fiscal?

A propósito, qual a proposta tucana não para o mínimo deste ano, mas para a previdência pública? Mais ainda, qual a doutrina social-democrata para a educação, por exemplo? A pergunta faz sentido. Em São Paulo, a joia da coroa do PSDB, a vitrine, o governo Serra/Alberto Goldman implantou um modelo moderno (baseado no mérito, remuneração maior conforme a qualificação dos professores e os resultados das escolas) que está sendo desmontado pelo novo governador Alckmin, também tucano, claro.

De outro lado, qual a proposta do PT e do governo Dilma para a Previdência? Nada. Tanto que colocaram no Ministério da Previdência um político que jamais pensara no assunto.

A presidente fez mais de um discurso contra a indexação dos preços, mecanismo de correção pela inflação passada e que perpetua essa inflação. E se abraça a um projeto de reajuste do salário mínimo que é uma superidenxação de um preço crucial na economia.

A agenda brasileira coloca inúmeras questões de médio e longo prazo. Educação, por exemplo. Nossas escolas públicas são ruins. Qual partido propõe e defende um plano firme para o ensino nacional? O PSDB tem um? Não, um pedacinho do partido tinha.

Previdência. O déficit somado do INSS e do sistema de aposentadoria dos funcionários públicos bateu em R$110 bilhões no ano passado. Conta para nossos filhos e netos. Os políticos odeiam tratar desse assunto, a não ser para aumentar o mínimo que piora essa conta.

Produção de alimentos. O Brasil tem a oportunidade única de ser o maior produtor de alimentos de um mundo que demanda cada vez mais comida. Qual a proposta estratégica para isso? Sim, Kátia Abreu tem a proposta do agronegócio, mas que não se tornou programa nem do Democratas.

Infraestrutura. Como construí-la em um momento em que o governo já gasta demais, mas não em investimentos? Vamos de privatização? Se não, onde arranjar recursos e competência?

E por aí não vamos. Como a política se faz no dia a dia, no caso do momento, de fato não importa se o cara é liberal, socialista, esquerdista ou social democrata. Ideias, dizem que não precisa. Mas a criação do Real, por exemplo, não resultou de boas ideias e boas práticas? Hoje, não tem ninguém na política que sequer se aproxime daquela turma do Real.

Texto publicado no O Globo.

CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista. 

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