Dilma Rousseff chorou ao instalar a Comissão da Verdade. Entre os companheiros que se emocionaram com ela estava José Sarney, presidente do Senado. Citando Galileu Galilei, a presidente disse que “a verdade é filha do tempo, não da autoridade”. Sarney servia ao regime que Dilma quer investigar, mas isso não tem a menor importância. Ambos são sócios numa verdade que não é filha do tempo, nem da autoridade. A verdade de Dilma e Sarney é filha da mãe de todos os posseiros do Estado brasileiro.
É uma verdade tão generosa que pode admitir até censura. Não a dos anos de chumbo, que está fora de moda. Censura moderna, cirúrgica. A investigação da família Sarney por tráfico de influência vinha sendo exposta por O Estado de S. Paulo. Com apoio irrestrito de Lula e Dilma, Sarney ficou firme no cargo, e seu filho conseguiu submeter o jornal à censura prévia, que já completará três anos. Em nome da verdade.
Galileu entendia dos astros, mas não sabia nada de fisiologismo. Se soubesse, descobriria que a verdade é uma ação entre amigos.
Amordaçar a imprensa foi uma forma eficaz de proteger a ditadura, especialmente quando ela torturava. Dilma Rousseff deve saber disso. Portanto, censura nunca mais – a não ser para defender alguém como Sarney, que, como disse Lula, “não é uma pessoa qualquer”. E não é mesmo. Acima do José Ninguém que apoia o governo popular com sua crença, seu voto e outras miudezas, Sarney é um companheiro diferenciado: põe seus lotes privados na máquina pública a serviço de Dilma, se ela mantiver seu alvará de sucção. Uma troca verdadeira.
Uma amizade dessas vale gestos extremos. Segundo a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira, a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, chamou-a ao Palácio do Planalto para lhe dar ordens. A Casa Civil não manda na Receita, mas Dilma mandou Lina resolver pendências fiscais da família Sarney. Solidariedade é isso (só quem lutou contra a tirania da ditadura sabe). Dilma não aceitou uma acareação com Lina. Uma virou presidente, a outra sumiu. Se a verdade fosse filha do tempo, a esta altura já estaria num orfanato.
A presidente que quer passar a ditadura a limpo de mãos dadas com Sarney poderia, talvez, pedir uma hora extra à Comissão da Verdade para dar uma olhada no caso Agaciel. O Brasil inteiro ouviu (já esqueceu, mas ouviu) os telefonemas entre o então diretor e o presidente do Senado combinando nomeações secretas de parentes e amigos. Onde foi parar essa verdade? Ou ela é filha da autoridade, e foi retocada, ou Sarney não tem condições morais de presidir o Senado – enquanto não for devidamente investigado. Mas esses detalhes não incomodam Dilma Rousseff em sua cruzada humanista. A presidente dos famintos nem se importa que a filha de Sarney compre 68 toneladas anuais de comida (só para ela e seu vice) à custa do contribuinte, como ÉPOCA mostrou. A verdade varia conforme a fome do dono.
O Brasil precisa acertar contas com seu passado, buscando justiça para os desaparecidos. Mas engole junto a propaganda política dos aparecidos. Ao lado de Dilma, no altar do bem contra o mal, estão heróis como Fernando Pimentel, ex-guerrilheiro, atual ministro vegetativo do Desenvolvimento. A resistência aos militares forjou nele valores sólidos, como ser amigo da presidente e faturar alto com consultorias invisíveis. Somando o passado e o presente de Pimentel, a única verdade insofismável é que ele não perde o cargo de jeito nenhum – nem depois de voar de favor em avião de empresário. Rodoviária nunca mais.
A luta continua, como prova Ideli Salvatti, ex-militante de direitos humanos na ditadura. No Ministério da Pesca, ela operou o milagre da multiplicação das lanchas – cujo fabricante, por coincidência, bancou sua campanha eleitoral. Na posse, Ideli cantou Ivan Lins para celebrar o triunfo da esquerda: “No novo tempo, apesar dos perigos; da força mais bruta, da noite que assusta, estamos na luta; pra sobreviver, pra sobreviver”. Ideli sobreviveu graças à Comissão de Ética da Presidência – devidamente enquadrada por Dilma depois de dinamitar o companheiro Lupi –, que arquivou o caso das lanchas.
Nada como desenterrar as verdades certas e enterrar as erradas. Pra frente, Brasil!
Guilherme Fiuza
É uma verdade tão generosa que pode admitir até censura. Não a dos anos de chumbo, que está fora de moda. Censura moderna, cirúrgica. A investigação da família Sarney por tráfico de influência vinha sendo exposta por O Estado de S. Paulo. Com apoio irrestrito de Lula e Dilma, Sarney ficou firme no cargo, e seu filho conseguiu submeter o jornal à censura prévia, que já completará três anos. Em nome da verdade.
Galileu entendia dos astros, mas não sabia nada de fisiologismo. Se soubesse, descobriria que a verdade é uma ação entre amigos.
Amordaçar a imprensa foi uma forma eficaz de proteger a ditadura, especialmente quando ela torturava. Dilma Rousseff deve saber disso. Portanto, censura nunca mais – a não ser para defender alguém como Sarney, que, como disse Lula, “não é uma pessoa qualquer”. E não é mesmo. Acima do José Ninguém que apoia o governo popular com sua crença, seu voto e outras miudezas, Sarney é um companheiro diferenciado: põe seus lotes privados na máquina pública a serviço de Dilma, se ela mantiver seu alvará de sucção. Uma troca verdadeira.
Uma amizade dessas vale gestos extremos. Segundo a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira, a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, chamou-a ao Palácio do Planalto para lhe dar ordens. A Casa Civil não manda na Receita, mas Dilma mandou Lina resolver pendências fiscais da família Sarney. Solidariedade é isso (só quem lutou contra a tirania da ditadura sabe). Dilma não aceitou uma acareação com Lina. Uma virou presidente, a outra sumiu. Se a verdade fosse filha do tempo, a esta altura já estaria num orfanato.
A presidente que quer passar a ditadura a limpo de mãos dadas com Sarney poderia, talvez, pedir uma hora extra à Comissão da Verdade para dar uma olhada no caso Agaciel. O Brasil inteiro ouviu (já esqueceu, mas ouviu) os telefonemas entre o então diretor e o presidente do Senado combinando nomeações secretas de parentes e amigos. Onde foi parar essa verdade? Ou ela é filha da autoridade, e foi retocada, ou Sarney não tem condições morais de presidir o Senado – enquanto não for devidamente investigado. Mas esses detalhes não incomodam Dilma Rousseff em sua cruzada humanista. A presidente dos famintos nem se importa que a filha de Sarney compre 68 toneladas anuais de comida (só para ela e seu vice) à custa do contribuinte, como ÉPOCA mostrou. A verdade varia conforme a fome do dono.
O Brasil precisa acertar contas com seu passado, buscando justiça para os desaparecidos. Mas engole junto a propaganda política dos aparecidos. Ao lado de Dilma, no altar do bem contra o mal, estão heróis como Fernando Pimentel, ex-guerrilheiro, atual ministro vegetativo do Desenvolvimento. A resistência aos militares forjou nele valores sólidos, como ser amigo da presidente e faturar alto com consultorias invisíveis. Somando o passado e o presente de Pimentel, a única verdade insofismável é que ele não perde o cargo de jeito nenhum – nem depois de voar de favor em avião de empresário. Rodoviária nunca mais.
A luta continua, como prova Ideli Salvatti, ex-militante de direitos humanos na ditadura. No Ministério da Pesca, ela operou o milagre da multiplicação das lanchas – cujo fabricante, por coincidência, bancou sua campanha eleitoral. Na posse, Ideli cantou Ivan Lins para celebrar o triunfo da esquerda: “No novo tempo, apesar dos perigos; da força mais bruta, da noite que assusta, estamos na luta; pra sobreviver, pra sobreviver”. Ideli sobreviveu graças à Comissão de Ética da Presidência – devidamente enquadrada por Dilma depois de dinamitar o companheiro Lupi –, que arquivou o caso das lanchas.
Nada como desenterrar as verdades certas e enterrar as erradas. Pra frente, Brasil!
Guilherme Fiuza
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