"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Lei geral do federalismo fiscal


A provisoriedade é traço indelével de nossa cultura política. Faltam recursos para a saúde, imediatamente criamos uma contribuição provisória sobre a movimentação financeira.

Chegamos ao requinte de proclamar a República em caráter provisório. O Decreto n.º 1, de 15 de novembro de 1889, editado pelo marechal Deodoro da Fonseca, chefe do governo provisório, tinha a seguinte ementa: “Proclama provisoriamente e decreta como forma de governo da Nação Brasileira a República Federativa, e estabelece as normas gerais pelas quais se devem reger os Estados Federados”.
A Constituição de 1988 já foi emendada 70 vezes, sem contar as 6 emendas de revisão. Essa prodigalidade modificativa, que robusteceu o teor exageradamente analítico do texto constitucional, certamente está por merecer um registro no Guinness World Records.

A vocação pela provisoriedade é que explica, também, a atual política fiscal, impressionantemente errática e casuística. Ainda que não tenhamos um projeto de nação, a política fiscal deve ter um mínimo de previsibilidade.

O federalismo fiscal brasileiro é outra vítima do improviso. O modelo construído pela reforma tributária de 1965 foi sendo seguidamente alterado, quase sempre para o pior, de modo que hoje é apenas uma justaposição de regras sem nenhuma lógica.

O Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) têm uma orientação claramente redistributiva, a despeito da arbitrariedade dos vigentes critérios de rateio do FPE, fixados pela Lei Complementar n.º 62, de 1989, e declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Esses critérios, pretensamente provisórios, perduram há mais de duas décadas.

A vocação pela provisoriedade é o que explica a atual política fiscal, impressionantemente errática e casuística

As demais transferências obedecem a critérios setoriais ou políticos: a cota-parte municipal do ICMS, ao sobrevalorizar o valor agregado na distribuição, acaba privilegiando os municípios com grande concentração industrial, em detrimento das cidades-dormitório que assumem o ônus de prestar serviços aos trabalhadores das indústrias do município vizinho; o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), também provisório, porque tem vigência limitada a 2020, é rateado em função do número de alunos matriculados; os royalties e participações especiais nas receitas decorrentes da exploração de petróleo e gás na plataforma continental são distribuídos com base em critérios claramente políticos, embora legais; as transferências à conta do Imposto Territorial Rural (ITR) e do IPVA têm sentido estritamente devolutivo em relação ao que foi arrecadado localmente.
Constata-se, assim, que inexiste coerência no sistema de transferências, resultando de ações pontuais em momentos distintos, em resposta a demandas isoladas.

Uma forma capaz de superar essas inconsistências seria, como sustentam os professores Sérgio Prado e Fernando Rezende, instituir um regime de equalização de receitas per capita para as transferências de caráter geral, como o FPE e o FPM.

Assim, esses fundos compensariam deficiências de receitas das entidades beneficiárias, inclusive as circunstanciais, gerando um modelo de solidariedade fiscal, a exemplo do que ocorre em federações mais sofisticadas, como a Alemanha, o Canadá e a Austrália.

Infelizmente, esse modelo não pode ser adotado de imediato, porque nossas estatísticas fiscais não oferecem a necessária segurança para operá-lo, sem falar que os conceitos de contabilidade pública perderam substância no contexto da destruição do processo orçamentário brasileiro, cuja reforma deve ser tida como prioridade absoluta.

Diante da impossibilidade de implantar-se, no curto prazo, um regime de equalização de receitas per capita, a opção que resta ao Congresso Nacional, no meu entender, é recorrer aos conhecidos critérios paramétricos (população e inverso do PIB per capita, por exemplo), como forma de, provisoriamente, superar o desafio de aprovar, até o final do ano, uma nova legislação para o FPE. A consequência de uma eventual mora legislativa seria a suspensão dessas transferências, o que seria fatal para as finanças da maioria dos Estados.

O remédio de curto prazo respaldaria também o encaminhamento de discussões sobre os repasses das receitas provenientes dos royalties e participações especiais na exploração de petróleo e gás, tendo em vista que todas as proposições legislativas adotam o FPE e o FPM como regras para as transferências, respectivamente, aos Estados e municípios, ressalvadas as participações das entidades produtoras ou confrontantes, previstas no § 1.º do artigo 20 da Constituição, que se sujeitam a critérios específicos.

Neste quadro, talvez seja a hora de cogitarmos de uma lei geral do federalismo fiscal brasileiro, com regras definitivas quanto à partilha de receitas públicas, à cooperação entre as entidades federativas, à harmonização fiscal, à prevenção dos litígios decorrentes da competição fiscal e à integração das administrações tributárias.


Everardo Maciel

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