Adriana Calcanhoto - Jornal O Globo 5/10/14
Votemos pela ética, inspirados no exemplo de Pedro II, que viveu e morreu para o Brasil
O imperador Dom Pedro II, que reinou no Brasil, se considerarmos a existência do universo, o governou anteontem, apenas. Nem tantos anos nos separam assim de sua regência. O imperador que nasceu para o Brasil, viveu para o Brasil e sem dúvida alguma morreu pelo Brasil, empreendeu contatos no mundo chamado civilizado para que o Brasil tivesse o melhor em termos de ciência, de cultura, de descobertas e invenções, todos sabemos disso.
O telefone, a fotografia, são novidades que ele fez questão de trazer para cá assim que foi possível. Não tenho nenhuma convicção de que haja vida após a morte, mas muita gente tem, e, examinando a questão por esse ângulo, o que poderá estar acontecendo com coração e mente do pobre imperador?
Que viajava para fazer pesquisas, em suas famosas “viagens-estudo”, para entrar em contato com figuras exponenciais de diferentes áreas da cultura, da ciência, da astronomia, sempre atraído por ideais de excelência, e pagava do próprio bolso para realizar essas viagens? Que se recusava a receber honrarias de chefe de Estado para viajar praticamente incógnito e assim ter mais agilidade e tempo para o que queria conhecer do que se tivesse que participar de tediosos cerimoniais e rapapés?
Considerava que qualquer despesa paga com dinheiro público era tirar dinheiro que era do Brasil, não dele. Fez mais de uma vez empréstimos pessoais para poder viajar, em nome do Brasil. O que será que ele pode estar achando de comitivas de políticos que viajam com suas famílias e agregados com dinheiro público? De políticos com dinheiro vivo nas cuecas, da fortuna de Paulo Maluf? De políticos que “não concordam” com a ficha limpa? De contas públicas maquiadas? Da febre das delações premiadas? Não estou aqui para defender a monarquia, mas a ética, que, a meu ver, independe dos regimes.
Gostava do comunismo e gosto ainda hoje. Do lado bom, do lado utópico, do lado Ferreira Gullar, do lado Oscar Niemeyer do comunismo. Li “O Capital”, mas repudio ditadores que não respeitam os direitos humanos. O regime comunista não funcionou. O capitalismo venceu. Até agora, evidentemente. Pode uma criança em qualquer parte do mundo imaginar um regime que seja democrático, e que corrija as falhas da democracia, uma versão turbinada, digamos, para que a democracia deixe enfim de ser o menos pior dos regimes.
Por enquanto vimos exercitando a democracia no Brasil depois dos vergonhosos e sombrios anos da ditadura e temos tido a oportunidade de votar em dois turnos, temos pela segunda vez duas mulheres na corrida presidencial, tivemos, ou fizemos um impeachment exigido pela voz das ruas, um metalúrgico sindicalista foi eleito e reeleito, quem dera o mundo todo pudesse viver sem lunáticos sanguinários, e a democracia pudesse vencer o ódio e a intolerância. Evidentemente, esse é um pensamento utópico, mas sem pensamentos utópicos é que nada se modifica mesmo.
Malfeitos não são o novo na política brasileira, muito pelo contrário. São o que sempre se viu desde a instauração da República. Por isso hoje é dia de pensarmos em evolução, em atualização, em negação do atraso e dos retrocessos, e, inspirados na vida do homem Pedro de Alcântara, não do monarca Pedro II, votarmos pela ética, votarmos pelo Brasil profundo e por suas infindáveis possibilidades.
O papa Francisco carrega a própria pasta como gesto político, em atitude que causa espanto nos dias de hoje, em que políticos alçados ao poder e que nunca leram um livro se gabam de serem poderosos sem ter lido e contam com subordinados muito mais cultos para, exatamente, carregarem sua pasta. Pedro II já carregava sua pasta, para evitar o exagero da pompa nas cerimônias, para lembrar que ali havia um homem, antes do monarca, dando tudo de si pelo Brasil, para que fosse uma nação com princípios éticos, como os seus.
Menos gente passa fome no Brasil de hoje, e isso é uma grande notícia, mas não é tudo. Sem educação não há ética, e sem ética, na base do cinismo, que é como a política brasileira vem se sustentando há algum tempo, com honrosas exceções de quadros aqui e ali dentro dos partidos, não seremos o país que podemos ser.
Transformar a política nacional em balcão de loteamento de cargos, comprar apoio político e manobras do tipo não é fazer política, é fazer com que o povo se afaste da política, com toda a razão, o que nos torna uma nação que não consegue acreditar que seja possível, por exemplo, governar sem a polarização vigente. Estamos apáticos. Hoje é dia de respirar fundo e pensar no Brasil, aquele que queremos, aquele que podemos ser, e do qual possamos nos orgulhar.
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