Stephany D. Pereira Mencato
Os principais ideais da Revolução. Francesa de Liberdade,
Igualdade e Fraternidade transcendem o tempo e perpassam as legislações
contemporâneas a partir dos direitos de primeira, segunda e terceira geração.
Como afirma Bobbio, os principais ideais da Revolução
Francesa de liberdade, igualdade e fraternidade, consolidaram-se a partir da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembleia
Nacional em 26 de agosto de 1789. Sua proclamação foi o atestado de óbito do
antigo regime de governo absolutista vigente até então, finalmente enterrado
pela Revolução.
Reconhece-se que a partir deste momento histórico, os
indivíduos passam a ter não apenas deveres em relação ao Estado, mas direitos
frente a esse que possuiria agora o dever de cuidar das necessidades de seus
cidadãos, sejam elas individuais ou coletivas, uma contraposição direta à ideia
de súditos e servos vigentes no período anterior.
Para Ferrari, a sedimentação dos direitos fundamentais,
apresentados pela primeira vez na Declaração, como normas obrigatórias,
dependerá da época em que são considerados, e atualmente pode-se dizer que se
vinculam essencialmente à liberdade e à dignidade humana.
Porém como afirma Bobbio:
“A Declaração, desde então até hoje, foi submetida a duas
críticas recorrentes e opostas: foi acusada de excessiva abstratividade pelos
reacionários e conservadores em geral; e de excessiva ligação com os interesses
de uma classe particular, por Marx e pela esquerda em geral.”
Os reflexos desses ideais atualmente perpassam pelas
respostas dadas á essas críticas, que para o mesmo autor, traduzem-se nas
seguintes afirmações:
“A acusação de abstratividade(...) responde-se com a
observação de que aqueles direitos aparentemente abstratos eram realmente, na
intenção dos constituintes, instrumentos de polêmica política, cada um deles
devendo ser interpretado como a antítese de um abuso do poder que se queria
combater, já que os revolucionários, como dissera Mirabeau, mais que uma
Declaração abstrata de direitos, tinham querido fazer um ato de guerra contra
os tiranos. (...)
A crítica oposta (...) O homem de que falava a Declaração
era, na verdade, o burguês; os direitos tutelados pela Declaração eram os
direitos do burguês, do homem (explicava Marx) egoísta, do homem separado dos
outros homens e da comunidade, do homem enquanto ‘mônada isolada e fechada em
si mesma’. (...)
A acusação feita por Marx à Declaração era a de ser
inspirada numa concepção individualista da sociedade. A acusação era justíssima.
Mas é aceitável?”
Para Bobbio, assim, restam claros dois pontos que devem ser
considerados ao analisarmos os reflexos dos principais ideais da Revolução
Francesa atualmente: primeiro que eles, propositalmente, são abstratos, e assim
o são por tratarem-se de polêmicas políticas, que deverão ser interpretados
como antítese e limitador de um poder absoluto e violador dos Estados e
Soberanos; Segundo, que é a concepção individualista da sociedade apresentada
pela Declaração o principal contraponto à ideia então vigente do súdito e do
servo, e será essa concepção que se tornará base de toda a sociedade moderna.
Ainda, temos as palavras de Godofredo:
“Historicamente, como sabemos, a limitação do poder dos
Governos foi uma conquista do Povo contra a prepotência dos reis. Ela começou a
se tornar efetiva com a constituição das primeiras formas de Governo
representativo. Hoje, ela resulta, naturalmente, do exato conhecimento dos fins
e funções do Estado.”
Deste modo, observamos que o principal objetivo
Revolucionário seja a limitação do poder Soberano, e a garantia do indivíduo
frente a este. Consolida-se atualmente a partir das expressões direitos
humanos, direitos do homem e/ou direitos fundamentais.
A definição dessas impressões, contudo, mostram-se
controversas doutrinariamente, por exemplo, nas palavras de Ferrari estes são
sinônimos:
“são utilizadas como sinônimos, mas é possível distingui-las
segundo sua origem. Quando se fala em ‘direitos do homem’, significam eles
aqueles válidos para todos os povos, em todos os tempos; já a expressão
‘direitos fundamentais’ se refere aos jurídico-institucionalmente garantidos e
limitados no tempo e no espaço. Se os direitos do homem, e daí seu caráter
inviolável e universal, os fundamentais são os objetivamente previstos, em uma
determinada ordem jurídica concreta”.
Porém, Luigi Ferrajoli entende que direitos fundamentais são aqueles
direitos cuja garantia é necessária a satisfazer o valor das pessoas e a
realizar-lhes a igualdade, não são negociáveis e dizem respeito à ‘todos’ em
igual medida, como condições da identidade de cada um como pessoa e/ou como
cidadão. Serão eles sempre invioláveis, inalienáveis, indisponíveis e por assim
dizer, ‘personalíssimos’.
Já para Godoffredo, a
expressão “direitos humanos” deriva dos bens almejados pelo ser humano, dentre
os quais existem aqueles que são bens soberanos, aqueles que a generalidade dos
seres humanos atribui máximo valor. Para o autor, no momento em que a fruição
dos bens soberanos é assegurada por lei, emergem os Direitos Subjetivos
especiais, que são proclamados DIREITOS HUMANOS ou DIREITOS DO HOMEM. Desse
modo, para Godoffredo os Direitos Humanos são, forçosamente, permissões
concedidas por meio de normas jurídicas.
O presente texto não se aprofundará neste debate, adotando,
na busca de seus objetivos, a definição apresentada por FERRARI. 2011,
utilizando os termos como sinônimos.
Contemporaneamente os ideais Revolucionários de liberdade,
igualdade e fraternidade, restam consolidados nas ditas três gerações dos
Direitos Fundamentais, que podemos definir como:
“A primeira (geração dos direitos fundamentais) comporta os
referidos nas revoluções americana e francesa, os quais traduzem a abstenção
dos governantes, representada pela não intervenção na esfera individual. São,
dentre outras, a liberdade individual, a de expressão, de consciência, de
culto, de reunião, a inviolabilidade de domicílio, o sigilo de correspondência,
a proteção contra prisão arbitrária.
(...) os direitos sociais ou de segunda dimensão,
proclamados pela primeira vez, na Constituição mexicana de 1917, impondo ao
Estado a responsabilidade de garantir uma existência digna a cada um de sés
cidadão. (...) O Estado deixa a não intervenção e assume postura oposta, para
propiciar a realização do indivíduo, já que pouco adianta assegurar suas
liberdades se ele não tiver condições materiais para seu desfrute. (...) Dentre
os direitos fundamentais de segunda dimensão estão o direito ao trabalho, à
proteção do emprego, ao salário-mínimo, ao repouso semanal remunerado, à saúde,
à educação (...).
Os direitos de terceira dimensão estão afetos à titularidade
coletiva e difusa (...). A principal característica dos direitos difusos reside
na sua indivisibilidade, ou seja, nenhum
de seus titulares pode usufruir de apenas uma parte do bem protegido,
mas de sua totalidade, sem que haja impedimento de fruição por todos os outros,
com a mesma intensidade.”
Os Direitos Fundamentais de primeira geração definem-se
pelos direitos de liberdade individual e pela obrigação de não intervenção dos
Estados na esfera pessoal. São nominados direitos negativos, pois impedem/vedam
a atuação estatal em determinadas esferas.
Nas palavras de Ferrajoli:
“(...) direito de liberdade (...) corresponde, (...) à
imunidades ou faculdades, reconhecida a todos independentemente de qualquer
título e exercitadas unicamente em comportamentos meramente lícitos, que não
interfiram juridicamente na esfera de outros sujeitos.”
Logo, compreende-se a liberdade enquanto o direito de fazer
tudo o que a lei permita, e ainda o que a lei não lhe proíba.
Direitos Humanos de segunda geração serão os direitos de
igualdade, atualmente compreendida pela ideia de equidade – segundo Boaventura
de Souza Santos, é o tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os
desiguais na medida de suas desigualdades. É representado pela imposição ao
Estado de garantir positiva e expressamente determinados direitos. É a
obrigação de intervenção na esfera individual.
“igualdade jurídica: que é um princípio complexo, o qual
inclui as diferenças pessoais e exclui as diferenças sociais. Em um primeiro
sentido(...), consiste precisamente no igual valor atribuído a todas as
diferentes identidades que busca fazer de qualquer pessoa um indivíduo diverso
dos outros e de qualquer indivíduo uma pessoa como todas as outras. E vale,
desta forma, a individualizar os confins desta tolerância,a qual reside no
respeito de todas as diferenças que formam as diversas identidades das pessoas,
como do intolerável, que ao contrário reside na inadmissibilidade de suas
violações.
Em um segundo sentido, ao invés, a igualdade reside no
desvalor associado a um outro gênero de diferenças: (...)as diferenças em lugar
de serem conotadas pelas diversas identidades das pessoas, se resolvem em
privilégios ou discriminações sociais que lhe deformam a identidade e lhe
determina a desigualdade, lesando-lhe ao mesmo tempo o igual valor. (...) Nem
todas as desigualdades jurídicas, como veremos são de fato intoleráveis. Apenas
aquelas que obstam a vida, a liberdade, a sobrevivência e o desenvolvimento das
outras pessoas o são (...).”
Neste sentido, percebemos que a igualdade, em um primeiro
sentido, está no valor atribuído a todos os indivíduos sem distinção. Em
segundo, relaciona-se a todas aquelas situações ‘de ordem econômica e social’
das quais provenham, como diz o art. 3, caput, da Constituição italiana, os
‘obstáculos que, limitando de fato a liberdade e a igualdade dos cidadão,
impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana’.
Por fim, os modernos Direitos de terceira geração, direitos
fraternais, asseguram a existência, por exemplo, do direito ambiental, buscando
a proteção de bens indivisíveis e pertencentes a toda a sociedade.
É importante ressaltar que esses reflexos, ainda que
separados em gerações, não se tratam de Direitos sucessivos e que se excluem,
mas de Garantias Fundamentais que se somam e complementam, buscando assegurar o
indivíduo frente ao Poder Estatal e Sociedade em última escala.
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