A Noruega é um país gelado localizado no extremo norte da
Europa e considerado por alguns o mais próspero do mundo.
Esse título é comumente atribuído a essa nação devido aos
diversos indicadores econômicos invejáveis, estando sistematicamente entre os
melhores do mundo em itens como PIB per capita (indicador de geração de
riqueza, maior = melhor), IDH (indicador de desenvolvimento social, maior =
melhor), índice GINI (indicador de desigualdade social, menor = melhor),
índice de homicídios (menor = melhor), desemprego, dentre diversos
outros (praticamente qualquer indicador de desenvolvimento tem a Noruega entre
as primeiras posições).
Um país com tamanho sucesso em áreas tão distintas é um caso
importante a ser estudado por aqueles que desejam o sucesso econômico e social de
sua própria nação e este texto se propõe a compreender o que tornou e mantém a
Noruega numa posição destacada entre todos os países do mundo.
Serão levantados os principais pontos que tornaram a Noruega
um caso de sucesso, dentre tantos outros países que encontraram grandes
reservas de recursos naturais, dado que muitos acabam permanecendo no atraso
dependendo unicamente da extração da matéria prima encontrada.
A Noruega se tornou um país independente da Coroa Sueca em
1905 e permaneceu com pouco destaque na economia europeia até o início da
exploração de petróleo no Mar do Norte, na década de 60, cujo período deve ser
resumido antes de se aprofundar em outros aspectos da economia norueguesa.
Isso se faz necessário pelo fato desse país, apesar de
possuir uma pequena população, de apenas
5 milhões de habitantes, ter se tornado o 13º maior produtor de petróleo do
mundo, com uma produção de 2 milhões de barris por dia, além de ser a origem de
diversas companhias relevantes em nível mundial do setor (como a Statoil, a
Aker Solutions, a Subsea 7, a Seadrill e a DOF). Essa relevância é visível na
composição das exportações do país, na qual produtos relacionados ao petróleo
chegam a quase 65% do valor exportado.
Alguns poderiam dizer que isso é consequência do petróleo
fácil, como o do Oriente Médio, mas isso não é verdade. O petróleo norueguês
está em alto mar e sempre precisou de tecnologia de ponta para ser devidamente
extraído. Sua situação se aproxima muito mais com a do Brasil, do México, da
Nigéria, da Guiné Equatorial e da Namíbia do que dos países do Oriente Médio
que possuem óleo de altíssima qualidade e extremamente acessível logo abaixo de
seus desertos. Não é necessário se estender para concluir que o ouro negro não
trouxe prosperidade similar para os outros países em situação análoga à
norueguesa.
O Modelo Norueguês de Exploração de Petróleo
Durante a década de 60, a exploração de petróleo na Noruega
era quase completamente feita por empresas privadas estrangeiras. No governo de
Trygve Bratteli (do Partido Trabalhista Norueguês, que governou nos períodos de
1971-1972 e 1973-1976), foram tomadas decisões que muito influenciaram no
destino da Noruega: A criação da Statoil (petrolífera 100% estatal), a definição
de que o governo norueguês teria no mínimo 50% de todos os campos explorados a
serem licenciados no país e a obrigatoriedade dos estrangeiros desenvolverem
fornecedores locais (chegando ao ponto de forçar a contratação de fornecedores
específicos para que sua operação fosse autorizada).
A partir da 4ª rodada de licenciamento (1978-1979) foi
introduzida a obrigatoriedade de investimento em pesquisa e desenvolvimento
pelas empresas interessadas.
Desse investimento, 50% obrigatoriamente teria que
ser feito em instituições norueguesas.
Em 1985, houve alteração no sistema: O Estado Norueguês
passou a ter uma participação variável em cada projeto, definida para cada
licença, sendo essa participação do Estado executada através da Statoil (ou seja,
a todos os campos a serem licitados teriam a Statoil como sócia, com essa
porcentagem variando em cada projeto).
No ano de 1990, foi criado o atual fundo soberano norueguês:
o Government Pension Fund Global. Fundo esse que se tornaria o maior fundo soberano
do planeta, responsável por investir a receita do governo norueguês como
consequência de sua participação na exploração de petróleo do país.
As políticas de conteúdo local foram abolidas em 1994, como
consequência de um acordo de livre comércio com a União Européia.
Em 2001, foram vendidas parte das ações da Statoil, que se
tornou uma empresa de economia mista, mas tendo como maior acionista o Estado
norueguês (que permaneceu como único controlador da empresa). Com essa venda, a
participação estatal nos campos passou a ser administrada através da recém
fundada Petoro (100% estatal), a qual, porém, não opera nenhum campo.
Pode-se dizer que o regime de partilha que tentou se
estabelecer para o pré-sal brasileiro foi inspirado no regime norueguês em diversas
de suas fases, como:
1- Possuir uma participação estatal variável para cada campo
licitado, administrada por uma empresa 100% estatal (Pré-Sal Petróleo S/A), com
participação obrigatória da operadora de economia mista (Petrobras), de uma
forma que também varia em cada projeto;
2- Criação de um fundo soberano para a investimento das
receitas do Estado provenientes da extração petrolífera;
3- Obrigatoriedade de conteúdo local para os
empreendimentos.
O Fundo Soberano e o Estado Empresário Norueguês
Pode-se dizer que a principal herança do modelo de
exploração de petróleo norueguês é o seu fundo soberano, o Government Pension
Fund Global que por si só é uma demonstração do gigantismo do Estado norueguês.
O valor de mercado do fundo soberano no dia de elaboração
desse artigo ultrapassava 7 trilhões de coroas norueguesas (mais de 800 bilhões
de dólares), sendo que todo o mercado de ações da Noruega estava avaliado em
pouco mais de 2 trilhões de coroas norueguesas (menos de 1/3 do tamanho do
fundo soberano do país). A dívida pública norueguesa se encontrava em um pouco
mais de 1 trilhão de coroas norueguesas, o que significa que o fundo soberano
poderia comprar todas as ações e toda a dívida pública norueguesa 2 vezes que
ainda assim sobraria dinheiro.
Como o PIB da Noruega está um pouco acima de 3 trilhões de
coroas norueguesas (menos de 400 bilhões de dólares), isso significa que toda a
riqueza produzida no país em dois anos é menor que o valor de mercado do fundo
soberano norueguês.
No entanto, mesmo sem considerar o Government Pension Fund
Global, o governo é o principal player econômico do país, controlador de todas
as 5 maiores empresas da Noruega em valor de mercado (já excluindo dessa lista
as empresas totalmente estatais, que não possuem valor de mercado bem definido
para serem avaliadas), que estão listadas abaixo:
Statoil ASA (67% diretamente do Estado, 3% do Estado via
fundos. Controlada pelo Estado)
Telenor ASA (54% diretamente do Estado. Controlada pelo
Estado)
DNB ASA (34% diretamente do Estado, 10% de fundos do próprio
banco. Controlada pelo Estado)
Yara International ASA (36% diretamente do Estado, 5% do
Estado via fundos. Controlada pelo Estado)
Norsk Hydro ASA (35% do Estado, 1% dela mesma. Controlada
pelo Estado)
Dentre essas empresas se encontram a maior petrolífera do
país (Statoil), a maior empresa de telecomunicações (Telenor), o maior banco
(DNB), além da maior empresa de alumínio (Norsk Hydro), mas a participação do
governo em setores estratégicos não se resume a essas companhias.
No setor de energia elétrica, por exemplo, praticamente não
há espaço para a inciativa privada. Toda a transmissão e distribuição de
energia elétrica em alta tensão é controlada por uma empresa 100% estatal
chamada Statnett, que também é a operadora do sistema.
Na geração de energia, além da Norsk Hydro (segunda maior
geradora de energia do país) o Estado está presente através da Statkraft (maior
geradora de energia do país) e da TrønderEnergi, dentre outras empresas
públicas.
Com geração quase totalmente estatal, a Noruega é um dos
líderes mundiais no uso de energia limpa e renovável, com mais de 99% de suas
necessidades energéticas geradas através de usinas hidrelétricas. Também lidera
no uso de carros elétricos e se destaca mundialmente com planos agressivos de
redução das emissões de gases poluentes (o que parece irônico vindo de um país
que tem nos derivados de petróleo o principal produto de exportação).
Antes da criação da Statnett e Statkraft, a geração,
transmissão e distribuição de energia elétrica era tratada diretamente pelo
Norges vassdrags- og energiverk, que é algo como um Ministério das águas e
energia. O que significa que o modelo estatal na área de energia elétrica é
bastante antigo.
Outro ponto que deve ser destacado é o baixíssimo nível de
corrupção (entre os menores do mundo), tanto no serviço público quanto no
privado, que está fortemente ligado à transparência quase irrestrita.
Diferentemente de outros países, onde o sigilo fiscal é inviolável e um valor
defendido de forma apaixonada, na Noruega a renda e os impostos pagos por
qualquer cidadão está disponível a quem estiver interessado desde o ano de 1814
(época em que era unida com a Suécia), quando essas informações já podiam ser
obtidas nas prefeituras. Hoje, com a internet, os habitantes da Noruega
conseguem facilmente descobrir quanto ganham e os impostos que pagam cada um de
seus compatriotas, o que simplifica enormemente o combate à sonegação fiscal e
enriquecimento ilícito.
Carta Tributária e o Estado de Bem-Estar Social Norueguês
Outro ponto em que a Noruega se destaca é quanto a seus
altos impostos. O sistema de taxação norueguês é todo construído de acordo com
a ideia de que cada um deve pagar impostos de acordo com suas capacidades, ou
seja, o imposto é progressivo: quem ganha mais, paga mais. Pode-se dizer que os
impostos noruegueses são altos porque, desde 1970, o peso dos mesmos está entre
35% e 45% do PIB, com pequenas variações no período, sempre figurando entre as
maiores entre os países membros da OCDE.
Sobre o Estado de Bem-Estar Social, pode-se dizer que a
Noruega é referência no mundo, sendo utilizada como exemplo clássico de Estado
que propicia tudo que um cidadão pode desejar de um governo, o que um
(neo)liberal consideraria um entrave para o desenvolvimento de uma nação.
Os direitos trabalhistas são muito extensos. A lei permite
trabalho até 40h semanais, mas todos os acordos coletivos vigentes são de até
37,5h semanais. Além disso, funcionários tem direito a redução de carga horária
por motivos sociais, de saúde ou bem-estar. Os que não possuem cargo de chefia
devem receber no mínimo 40% de adicional em caso de horas extras.
Todos os funcionários tem direito a 5 semanas de férias,
sendo que aqueles com mais de 60 anos possuem o direito de uma semana adicional
(totalizando 6 semanas). 3 dessas semanas devem ser tiradas de forma
consecutiva, enquanto as outras 2 semanas podem ser divididas em dias ou
semanas separadas.
Um funcionário tem direito a 10 dias por ano para cuidar de
seus filhos doentes, aumentando para 15 no caso de ter mais de um filho. Pais
(ou mães) solteiros tem esse benefício dobrado (20 dias no caso de um filho e
30 no caso de mais de um). Em caso de gravidez, são disponibilizadas 43 semanas
(algo próximo de 10 meses) de folga a serem compartilhadas pelo pai e mãe
(sendo que as primeiras 6 semanas necessariamente devem ser da mãe e 14 dessas
semanas necessariamente do pai).
O seguro-desemprego é bastante generoso. O desempregado
recebe 62,4% de sua renda bruta por até 1 ou 2 anos, dependendo de sua faixa de
renda. Caso você não tenha dinheiro o suficiente para sua subsistência, o
governo irá complementar sua renda no valor que considerar necessário (o valor
depende do município).
O sistema de saúde norueguês é universal, gratuito,
descentralizado e financiado pelos impostos. A maior parte dos hospitais é
estatal, com uma quantidade muito pequena de hospitais privados. Além disso,
mesmo os hospitais privados normalmente recebem dinheiro do Estado.
A Noruega possui um sistema educacional público bem
estruturado, que abrange desde a infância até a universidade. Apenas o jardim
de infância é pago, mas o governo tem como objetivo torna-lo acessível para
todos que tenham interesse em colocar seus filhos no jardim de infância. Quanto
ao tamanho do sistema público em relação ao privado, se encontram fora do
sistema estatal de educação 45% das crianças no jardim de infância, 2,2% dos
usuários da educação primária e secundária baixa (10 primeiras séries, dos 6
aos 16 anos), 6% dos alunos da educação secundária superior (16-19 anos) e 13%
dos alunos universitários.
Levando em consideração todos os fatores apresentados no
texto, pode-se concluir que a chave do crescimento do país mais próspero do
mundo não foi o livre-mercado, mas a presença massiva do Estado nos setores
chave da economia (extração de matéria prima, serviços básicos, saúde,
educação, sistema bancário, sistema elétrico, entre outros), o oferecimento de
amplo sistema de bem-estar social e o estímulo ao desenvolvimento de empresas e
tecnologias locais.
Também salta aos olhos que a corrupção não é combatida com
retórica simplista que responsabiliza o Estado e ignora a corrupção privada. Na
Noruega as contas dos indivíduos são expostas e isso é utilizado para inibir a
corrupção pública e privada simultaneamente.
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