"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Capitulo II

ALGO DE HISTÓRIA CONSTITUCIONALISTA

Uma Constituição real e efetiva a possuem e hão de possuí-la sempre todos os países, pois é um erro julgarmos que a Constituição é uma prerrogativa dos tempos modernos.

Não é certo isso.

Da mesma forma, e pela mesma lei da necessidade que todo corpo tem uma constituição própria, boa ou má, estruturada de uma ou de outra forma, todo país tem, necessariamente, uma Constituição real e efetiva, pois não é possível imaginar uma nação onde não existam os fatores reais do poder, quaisquer que eles sejam.

Quando muito tempo antes de irromper a grande Revolução Francesa, sob a monarquia legítima e absoluta de Luiz XVI, o Poder imperante aboliu na França, por decreto de 3 de fevereiro de 1776, as prestações pessoais para a construção de vias públicas onde os agricultores eram obrigados a trabalhar gratuitamente na abertura e construção de rodovias e caminhos, determinando a criação, para atender às despesas de construção, de um imposto pago inclusive pela nobreza, o Parlamento francês protestou, opondo-se a essa medida: “Le peuple de France est taillable et corvéable á volonté, c’est une partie de la constitution que le roit ne peut changer”
(6).

Vejam como mesmo naquele tempo já falavam de uma Constituição e lhe reconheciam tal virtude, que nem o próprio rei podia mexer nela; tal como agora.

Aquilo que a nobreza francesa chamava de constituição, ou seja a norma pela qual o povo — os deserdados da fortuna — era obrigado a suportar o peso de todos os impostos e prestações que quisessem lhe impor, não estava, é certo, escrito em nenhum papel ou documento especial, documento este onde em resumo constassem os direitos do país e os do Governo; era pois a expressão simples e clara dos fatores reais do poder que vigoravam na França medieval. É que na Idade Média o povo era realmente tão impotente que podiam impor-lhe os maiores sacrifícios e tributos à vontade do legislador.

A realidade era esta: o povo estava sempre por baixo e devia continuar assim.

Estas tradições de fato assentavam-se nos chamados precedentes, que ainda hoje na Inglaterra, acompanhando o exemplo universal da Idade Média, têm uma importância formidável nas chamadas questões constitucionais.

Nesta prática efetiva e tradicional de cargas e impostos, invocava-se freqüentemente, como não podia deixar de ser, o fato de que o povo desde tempos remotos estava sujeito a essas cargas e, sobre esse precedente, continuava a norma de que podia continuar assim ininterruptamente.

A proclamação desta norma constituía a base do Direito constitucional.

Às vezes dava-se expressão especial sobre um pergaminho a uma dessas manifestações que tinha sua raiz nas realidades do poder. E assim surgiram os foros, as liberdades, os direitos especiais, os privilégios, os estatutos e as cartas outorgadas de uma casta, de um grêmio, de uma vila, etc..

Todos esses fatos e precedentes, todos esses princípios de Direito público, esses pergaminhos, esses foros, estatutos e privilégios reunidos formavam a Constituição do país, sem que todos eles, por sua vez, fizessem outra coisa que exprimir, de um modo simples e sincero, os fatores reais do poder que regia no país.

Assim, pois, todos os países possuem ou possuíram sempre, e em todos os momentos da sua história uma Constituição real e verdadeira. A diferença nos tempos modernos — e isto não deve ficar esquecido, pois tem muitíssima importância — não são as Constituições reais e efetivas, mas sim as Constituições escritas nas folhas de papel.

De fato, na maioria dos Estados modernos vemos aparecer, num determinado momento da sua história, uma Constituição escrita, cuja missão é a de estabelecer documentalmente, numa folha de papel, todas as instituições e princípios do governo vigente. Qual é o ponto de partida desta aspiração própria dos tempos modernos?

Também isto é uma questão importantíssima e não há outro remédio que estudá-la para sabermos a atitude que devemos adotar perante a obra constitucional, o juízo que devemos formar a respeito das Constituições que regem atualmente e a conduta que devemos seguir perante as mesmas, para chegarmos finalmente ao seu conhecimento e a possuir uma arte e uma sabedoria constitucionais.

Repito novamente: De onde provém essa aspiração, própria dos tempos modernos, de possuir uma Constituição escrita?

Vamos ver de onde pode provir:

Somente pode ter origem, evidentemente, no fato de que nos elementos reais do poder imperantes dentro do país se tenha operado uma transformação. Se não se tivesse operado transformações nesse conjunto de fatores da sociedade em questão, se esses fatores do poder continuassem sendo os mesmos, não teria cabimento que essa mesma sociedade desejasse uma Constituição para si.

Acolheria tranqüilamente a antiga, ou, quando muito, juntaria os elementos dispersos num único documento, numa única Carta constitucional.

Mas, perguntarão: como podem se dar essas transformações que afetam aos fatores reais do poder de uma sociedade?

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