"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sexta-feira, 11 de junho de 2010

DEMOCRACIA, LIBERALISMO E SOCIALISMO



O presente trabalho não intenciona se aprofundar na discussão teórica sobre o significado de democracia, liberalismo e socialismo, e sim abordá-los sobre o enfoque de que mesmo doutrinas opostas, como as liberais e as socialistas, consideraram a democracia compatível com seus próprios princípios, ou seja, uma parte integrante do próprio credo. Segundo Norberto Bobbio, um liberalismo sem democracia não seria considerado hoje um verdadeiro liberalismo; e um socialismo sem democracia, um verdadeiro socialismo.


Dentro desse contexto, pretende-se recorrer ao conceito de representação política, a evolução histórica de seu princípio desde o Estado Medieval ao Estado Moderno ou Nacional, e assim entender as doutrinas políticas dominantes no tempo, o liberalismo de um lado e o socialismo do outro. Ao mesmo tempo, fica patente o desenvolvimento da democracia e da sociedade nos regimes representativos, em suas diversas direções, e o ideal democrático como elemento integrante e necessário, mas não constitutivo, no socialismo.


Por outro lado, mostra-se o significado que inovações tecnológicas e movimentos intelectuais tiveram para proporcionar profundas mudanças ocorridas no estamento social, econômico e institucional dos Estados. Como uma das conseqüências, vê-se o papel decisivo que as novas "classes" sociais (burgueses e trabalhadores) representaram, através do direito a representação, para a evolução política nos séculos XVIII, XIX e XX.


Nas considerações finais, apresenta-se o exemplo de dois Estados Nacionais, Estados Unidos (EUA) e ex-União Soviética (URSS), que pela importância política, econômica e militar dos últimos 50 anos, demonstram a assimetria no desenvolvimento dos sistemas representativos, sejam eles liberais ou socialistas. Por fim, através de uma sucinta análise da conjuntura política atual, faz-se uma visão prospectiva dos sistemas e ideologias políticas.


A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA


A representação política é um "mecanismo político particular para a realização de uma relação de controle (regular), entre governados e governantes", ou então, de forma mais completa, é "uma relação de caráter estável entre cidadãos e governantes em razão da qual os segundos estão autorizados a governar em nome e de acordo com os interesses dos primeiros e estão sujeitos a uma responsabilidade política de seus próprios comportamentos frente aos mesmos cidadãos, por meio de mecanismos institucionais eleitorais".


Ou seja, os governos, devem responder por seus atos, obtendo sua legitimidade do processo ou mecanismo de representação política.


A idéia e a prática da representação política são mais antigas do que os próprios sistemas representativos, muito embora totalmente diversas da forma como a que hoje se concebe e se pratica. Sua origem remonta ao Estado Medieval, descentralizado, não unificado, com diversos centros de poder dispersos, predecessores dos Estados Modernos, unificados e centralizados, os chamados Estados Nacionais da atualidade. Berttrand de Jouvenel descreve essa forma pré-moderna de representação política:


"A prática da representação disseminou-se na Idade Média, por razões que saltam aos olhos. São razões de distância no terreno físico e na área dos conhecimentos. O reino é grande, as estradas são ruins e pouco seguras. Por isso, torna-se necessário confiar a tarefa da representação num local de decisão a uma pessoa que a1i se encontre habitualmente. Mas, além disso, como muitas vezes a pessoa a ser representada é ignorante em matéria de expressão, torna-se necessário confiar a representação a alguém mais sábio. O impedimento físico não decorre unicamente da distância: ainda pode ter sua origem no número. Se os burgueses desta ou daquela cidade têm algo a pedir ao rei, será incômodo irem à sua presença em peso, além do que, nem todos poderiam falar. Por conseguinte, será razoável escolherem no ambiente que cerca o rei uma pessoa que, mediante um pagamento, se encarregue de fazer compreender seus pedidos e de fazer valer seus interesses, ou então escolherem alguns dentre eles que se encarregarem dessa tarefa (...)".


Estas observações evidenciam que, em seu princípio histórico, a representação é específica. O que o representante "representa" é um interesse particular. A causa que defende é a do grupo que o enviou. É aí que está a sua força. O grupo existe, tem seus interesses próprios, suas operações específicas: o representante os defende.


Portanto, os representantes agem em nome e em defesa dos interesses que cada um patrocina. As antigas "côrtes", "conselhos" ou "estados gerais" existentes na Idade Média, que se reuniam esporadicamente e que eram convocadas pelos monarcas como "consilia regis" (conselhos privados do rei), não tinham poder nem caráter deliberativos. Nelas estavam representados os que tinham interesses a defender: nobres, proprietários, o alto clero e as corporações de ofícios e de mercadores. É uma representação dos diferentes estreantes sociais, por isso chamadas de estamental ou estamentária. Assinalam R. W. Carlyle e A. J. Carlyle que as "côrtes" ou "estados gerais", como se chamavam respectivamente na Península Ibérica e na França, levavam séculos entre uma reunião e outra, convocadas somente quando, por uma transcendente questão de Estado, era indispensável ouvir os diferentes estamentos sociais.


Embora servissem apenas para sancionar decisões reais, seus membros costumavam fazer petições que, acolhidas pelo monarca sob a forma de cartas reais, transformavam-se na principal fonte do direito da época. Essa tradição teve origem na Inglaterra com a mais famosa delas, a chamada "Magna Carta", de 1215. Pela primeira vez, inscreveu-se o famoso princípio de "no taxation without representation", ou seja, o monarca não poderia estabelecer novos impostos ou aumentar os existentes, sem o consentimento dos representantes dos que deviam pagá-los, o que constituiu uma primeira limitação aos poderes da realeza. Essa forma de representação, apesar de limitada, pode ser considerada a origem dos modernos parlamentos.


A "Revolução Gloriosa", ocorrida na Inglaterra no ano de 1688, que precede em cerca de um século a Revolução Francesa de 1789 e a Americana de 1776-1787, marcos da vida parlamentar e dos sistemas representativos no mundo ocidental, é considerada como o ponto de partida de um sistema político incipientemente representativo. Ao contrário de suas sucessoras, porém, não foi uma revolução burguesa e democrática, mas, como assinala Trevelyan, em sua obra "A Revolução Inglesa", um movimento de nobres e aristocratas:


"(...) A expulsão de Jaime [o autor refere-se ao rei inglês Jaime II, apeado do trono pela união de conservadores e liberais] foi um ato revolucionário, mas, no entanto, o espírito dessa estranha revolução era o contrário de revolucionário. Ela não veio para acabar com a lei, mas para confirmá-la contra um rei violador das leis. Ela não veio para coagir as pessoas a um modelo de opinião em política e religião, mas para dar liberdade pela e sob a lei". Como ele mesmo afirma, "a mais conservadora de todas as revoluções da história foi também a mais liberal".


A liberdade de opinião, a liberdade religiosa e os fundamentos da liberdade política foram as principais conquistas dessa revolução:


"No campo do pensamento da religião, a liberdade individual foi assegurada pelo abandono da idéia partilhante de que todos os assuntos de Estado devam também fazer parte do Estado-Igreja. A lei de Tolerância religiosa de 1689 permitiu o direito de devoção religiosa, embora não de completa igualdade política para dissidentes protestantes; e era tão forte o amplo e tolerante espírito da época, conduzido pela Revolução, que estes privilégios foram logo aumentando na prática, embora não em lei, para os católicos romanos, contra quem a Revolução foi, sob um determinado aspecto, especialmente dirigida. A liberdade política do indivíduo foi assegurada em um espírito semelhante, pela abolição da censura (1695), por uma administração de justiça política mais pacífica e menos parcial, e por um equilíbrio de forças entre os partidos "whig", de cunho liberal, e "tory", de padrão conservador, sob cujas bandeiras rivais quase todo mundo, de alguma maneira, encontrou abrigo. Desta forma, a idéia inglesa de distinção entre liberdade de opinião e de direitos do indivíduo foi imensamente acrescida pela característica peculiar desta Revolução."


A "Revolução Gloriosa" foi importante para a história política e para a evolução do direito constitucional, pois delineou, pela práxis e pela doutrina política que a sustentou, o que mais tarde viriam a ser os governos constitucionais de caráter representativo.


EVOLUÇÃO POLÍTICA NO SÉCULO XVIII


Ao contrário do que acontecia na Inglaterra, o século XVIII ainda era, na Europa continental e na América, um período de apogeu do absolutismo monárquico. Entre a metade e o fim deste século, no entanto, ocorrem sucessivamente, primeiro na Inglaterra e depois em grande parte da Europa, duas mudanças que vão ser decisivas para a evolução política do mundo ocidental. A primeira é a grande transformação econômica e tecnológica que ficou conhecida como "Revolução Industrial". A segunda é um amplo movimento de cunho intelectual que gerou, simultaneamente, o Iluminismo e, no mesmo curso, o Enciclopedismo que tinha por base o racionalismo de Descartes.


A Revolução Industrial gerou um novo processo de produção econômica, calcado na força motriz a vapor e nos aperfeiçoamentos tecnológicos que aumentaram em escala geométrica a produção agrícola e industrial. Esta transformação sepultou o feudalismo, na medida em que a economia passou do estágio agrário, em que o meio de produção mais relevante era a terra, para a fase que ficou conhecida como a do capitalismo mercantil e, mais tarde, como a do capitalismo industrial. Desapareceram as corporações de ofício da Idade Média e, por conseqüência, a sociedade que se baseava nos privilégios decorrentes da condição social de cada indivíduo.


Do declínio da aristocracia, surgiu uma classe emergente, a burguesia, que vai ter papel decisivo na evolução política dos séculos XVIII e XIX.


Simultaneamente, o Iluminismo e o Enciclopedismo erodiam as velhas idéias e, com elas, os princípios sobre os quais se assentava a velha ordem monárquica absolutista e aristocrática, a começar pelo "direito divino dos reis" que fundamentava a legitimidade monárquica.


De acordo com o que assinala Maurice Cranston, os teóricos políticos do Iluminismo francês se dividiam em três principais correntes de opinião: os "realistas" liderados por Voltaire, os "parlamentaristas" liderados por Montesquieu, e os "republicanos" liderados por Rousseau. Tanto os realistas quanto os parlamentaristas eram inspirados pela filosofia inglesa, e ambos encaravam o sistema político inglês como um "espelho de liberdade". No entanto, eles olhavam para diferentes filósofos ingleses, e encaravam o governo inglês também de forma diferente:


"Montesquieu e seus seguidores inspiravam-se em Locke e o que eles admiravam na Inglaterra era a constituição estabelecida pelo movimento revolucionário de 1689. Voltaire e seus amigos voltavam-se para Francis Bacon e o que eles admiravam na Inglaterra, era menos o método de governo parlamentar do que o sistema de liberdade civil e tolerância religiosa. Montesquieu propunha adaptar a situação da França a políticas liberais para dividir a soberania entre as autoridades do executivo, do legislativo e do judiciário. Voltaire aspirava a realizar na França o sonho Baconiano de soberania da razão, assegurado pelo progresso da ciência e da tecnologia, a centralização do governo e a eliminação de toda forma de superstição".


A teoria liberal de Montesquieu desvaneceu, quando ele morreu em 1755, mas voltou a ganhar força alguns anos mais tarde. Ao mesmo tempo, o sucesso da Revolução Americana em 1776 produziu um renascimento em torno da idéia de um governo republicano que Rousseau entendia só ser possível, com sua tese da "soberania popular", em pequenos Estados. Com a implantação da república nos Estados Unidos, os europeus, e de forma particular os franceses, que até então só associavam a idéia de república às antigas cidades gregas, passaram a entender que essa aspiração podia ser também uma opção para eles. Em 1787, a constituição dos Estados Unidos tornou-se não apenas a primeira constituição escrita do mundo, mas também o primeiro documento constitucional que punha em prática o princípio da separação de poderes que Montesquieu havia exposto e defendido há quase meio século. Não demorou para que a revolução burguesa da França adotasse o mesmo princípio. Dividir os poderes do Estado era uma forma de conquistá-lo (artigo 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789).


Ao final do século XVIII, três grandes nações, Inglaterra, Estados Unidos e França, tinham passado por profundas mudanças políticas e institucionais que, direta ou indiretamente, eram fruto de dois irreversíveis movimentos, a Revolução Industrial e o Iluminismo, e do fato social mais relevante da época moderna: o surgimento de uma nova classe, a burguesia, cuja ascensão e predomínio marcam o advento da era contemporânea.


A BURGUESIA E O LIBERALISMO


A nova ordem burguesa, calcada nas concepções doutrinárias do Iluminismo, só seria viável se contasse com instrumentos capazes de assegurar, simultaneamente, quatro objetivos:


(a) no campo político, controlar, submeter e em seguida reduzir os poderes do absolutismo monárquico;


(b) no campo social, superar e banir os privilégios corporativos da Idade Média que beneficiavam a nobreza, o clero e as corporações de oficio;


(c) no campo econômico, assegurar o livre mercado, o que implicava a liberdade de produzir e comerciar, sem a interferência do poder político; e, finalmente,


(d) no campo jurídico, garantir a estabilidade das normas legais e do Direito, livres do poder regulador do absolutismo, sem as quais o mercado não poderia prosperar.


Esse conjunto de concepções, crenças e aspirações constituiu um amplo movimento de idéias que ficou conhecido como Liberalismo. O liberalismo era a cosmovisão burguesa sem a qual a nova ordem e a nova classe emergente não sobreviveriam. Essa grande inflexão no curso da evolução histórica da humanidade teve que se adaptar às condições objetivas peculiares de cada país, adotando matizes próprios e diferentes em cada um deles.


Na Inglaterra, onde despontou a Revolução Industrial, e onde já havia um antigo e assentado sistema político com razoável predomínio parlamentar, a partir de 1688, a vertente principal foi de cunho econômico, de que se fez intérprete e discípulo o escocês Adam Smith, com a obra clássica do liberalismo econômico "Inquérito sobre as causas e origens da riqueza das nações". A evolução se deu, portanto, com a progressiva afirmação do sistema parlamentar, preservando-se a monarquia, com a fórmula de que o "rei reina mas não governa".


Nos Estados Unidos, cuja origem histórica está ligada aos problemas da intolerância religiosa entre os protestantes ingleses que emigraram para não se curvar ao dogmatismo religioso, a vertente predominante foi de cunho político, alentada pela circunstância de que, pela primeira vez no mundo contemporâneo, se estava criando uma nova modalidade de sistema político diferente da monarquia. A evolução não se processou na luta da afirmação do poder burguês do parlamento contra o monarca, que não existia, mas sim em torno das funções, do equilíbrio e do funcionamento dos poderes do Estado, em torno da engenharia do novo sistema. Tratava-se do desafio não só de harmonizar os poderes segundo sua especialização, como preconizavam Locke e Montesquieu, mas também de equilibrar os poderes entre a União e os Estados, a clássica discussão entre "unionistas" e "federalistas".


Na França, onde o absolutismo tinha atingido o seu ápice com a expressiva afirmação de Luís XIV - LÉtat cést moi - e onde a revolução burguesa adquiriu os contornos mais radicais e repressivos, os caminhos da nova ordem foram menos nítidos e, por conseqüência, mais pendulares, oscilando entre o Bonapartismo absolutista que se seguiu à revolução de 1789, e a ambição republicana de Condorcet, que só tardiamente se realizou de forma muito menos nítida do que nos Estados Unidos. Por essa razão, e principalmente pela circunstância de que os privilégios feudais e da Igreja estavam mais arraigados, sendo muito mais difíceis de erradicar, a vertente principal é, sobretudo, de cunho social, que abrange, da fase do "Terror", no período revolucionário, até o movimento de 1848 e a "comuna de Paris" de 1871, cujos profetas são os socialistas utópicos como Saint-Simon e Fourier, ou o anarquista Proudhon.


A luta da burguesia para dominar e exercer o poder, usando o parlamento como instrumento, é assim descrita por Reinhard Kühln:


"O primeiro objetivo concreto da burguesia consistia em apoderar-se do poder legislativo, com o fim de que esta divisão de poderes debilitasse os atributos do soberano. É claro que esta solução constitucional só podia ser uma fase de transição. A lógica interna da idéia liberal, assim como a necessidade social, tinham como finalidade submeter o poder executivo aos representantes do povo e eliminar assim a monarquia, para converter o estado autoritário em uma comunidade legal desprovida de poder. O parlamento constitui a instituição central do estado liberal.


(...) Este modelo de parlamentarismo pressupõe que, dentro do parlamento, não existe nenhum contraste profundo de interesses sociais, senão exclusivamente diferenças de opinião, fáceis de superar em uma discussão.


(...) A tarefa concreta do parlamento consiste no controle do poder executivo, para evitar ingerências arbitrárias no âmbito social e uma perturbação da vida econômica, deixada em mãos dos interesses financeiros privados do indivíduo. O poder executivo só entraria em ação, como conseqüência de uma lei aprovada pelo parlamento. Assim, pois, segundo a idéia liberal, não se trata de um equilíbrio de poderes, senão de um predomínio do "poder supremo" (Locke): o poder legislativo constituído pelos representantes do povo".


Entenda-se que os "representantes do povo", a que se refere Kühln, são os representantes da burguesia, mercadores, industriais, banqueiros e proprietários de terra, que pagavam os tributos e contribuíam para a manutenção dos encargos do Estado. O parlamento é assim concebido e constituído, isto é, dotado de poderes efetivos para controlar o executivo e limitar os seus poderes, oriundos da burguesia e do liberalismo. A grande transformação do sistema político idealizado e materializado pelas revoluções burguesas do século XVIII, porém, não consistiu apenas nessa nova concepção política em que se assentou a nova ordem burguesa, mas na instituição de um regime político representativo, em que os governos se tornaram ao mesmo tempo, laicos e responsáveis, ainda que essa representatividade fosse limitada a uma só classe: a dos burgueses.


Na medida em que adquiriram poderes, duas alterações fundamentais ocorreram na natureza e na função, tanto dos parlamentares, quanto dos próprios parlamentos. Em primeiro lugar, os deputados designados pelos eleitos, já não tinham que pleitear em nome de seus constituintes, mas, ao contrário, tinham que decidir por eles. Em segundo lugar, os parlamentos, que eram assembléias que representavam os eleitores, perante o soberano, isto é, perante o Estado, passaram a exercer parte dessa "soberania" e, por conseqüência, passaram a integrar o Estado, a fazer parte dele.


O DIREITO À REPRESENTAÇÃO


A tomada do poder pela burguesia representou um sistema limitado e não universalizado do voto. Utilizava-se o chamado "voto censitário", isto é, podiam votar apenas aqueles que atendessem aos requisitos estabelecidos para participarem do chamado "censo eleitoral". O censo era exigido não apenas para os que podiam votar, mas também para os que podiam ser votados. Por esse instrumento, a burguesia excluía do eleitorado a maior parte da população. A Constituição brasileira do Império, de 15 de março de 1824, é um exemplo típico. Como a eleição era em dois graus, as exigências de renda eram crescentes. Assim, podiam votar nas eleições primárias, os que tivessem de renda líquida anual 100 mil réis, por "bens de raiz, indústria, comércio ou emprego" (art. 92, inciso 5) e nas eleições de deputados, senadores e assembléias provinciais, os que tivessem de renda, ao mesmo título, 200 mil réis (art. 94, inciso 1). Para que fossem eleitos deputados se exigia dos candidatos renda anual de 400 mil réis (art. 95, inciso 1), e para senadores renda de 800 mil réis, além da idade mínima de 40 anos.


A realidade econômica e social do liberalismo que serviu de base às reivindicações da burguesia, se encarregou de mostrar que o novo sistema, embora representasse um avanço sobre o absolutismo, era extremamente limitado como solução política para os tempos que estavam por vir. A sociedade estava estruturada de forma inteiramente hierárquica. A formação da vontade política ficou limitada, de fato, aos estamentos superiores.


O antagonismo representado por essa desigualdade de cunho político, econômico e social, se acentuou em meados do século XIX. O operário assalariado só dispunha do esforço de seu trabalho, tinha que aceitar necessariamente as condições impostas pelo empregador (soldo e horário) se não queria cair vítima da fome. O "princípio liberal" proibia toda intromissão do Estado e, assim sendo, toda legislação de proteção ao trabalhador e qualquer forma de associativismo dos operários. Tudo em prol da "livre concorrência", resultando na exploração destes em nome da liberdade!


Além desse enorme contra-senso, a aceleração do sistema produtivo, sobretudo depois da descoberta e utilização de uma nova fonte de energia - o carvão - conhecida como a "segunda Revolução Industrial", gerou outra forma de desequilíbrio na sociedade e na economia, com imediatas repercussões políticas. Assim como o fim da Idade Média provocou durante o absolutismo o declínio da atividade agrícola e o predomínio do chamado "mercantilismo", que era a forma inicial do capitalismo até o século XVIII, também o fim do absolutismo e o advento da era burguesa levaram ao predomínio do capitalismo industrial que foi preponderante sobretudo na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos no século XIX. Tudo isso foi acompanhado de um enorme desemprego no campo que estava se mecanizando, levando a um incontrolável e incomensurável processo migratório do campo para a cidade. Isso aumentava a oferta de mão-de-obra para a indústria e provocava a conseqüente desvalorização dos salários, aumentando a miséria e agravando as duras e indescritíveis condições de trabalho da época.


O efeito político desse desequilíbrio no quadro de distribuição demográfica foi, sobretudo na Inglaterra, uma assimetria notória entre poder econômico e poder político. A representação era calcada na base geográfica dos distritos que correspondiam, via de regra, a uma área rural, um burgo ou um condado. Os distritos rurais que perderam cada vez mais poder econômico e população, ficaram com mais representação no Parlamento, enquanto as novas cidades de base industrial, a medida que aumentavam sua significação econômica e seu peso demográfico, terminavam com pouca representatividade. Eram os chamados "burgos podres".


Enquanto os interesses políticos, econômicos e sociais eram os mesmos, no início da ascensão burguesa (assentados na propriedade, genericamente), o esquema político do parlamento burguês era simples e notório. Na medida em que se acentuaram o peso e a influência dos industriais, cada vez mais ricos, prósperos e poderosos, as divergências entre os diferentes segmentos (agrícola, mercantil, financeiro e industrial) se transformaram em conflitos. Por isso, duas questões cruciais emergiram entre meados do século XIX e o início do século XX, como fundamentais para a continuidade dos sistemas políticos parcialmente representativos, idealizados pela burguesia, com base nos postulados do liberalismo: necessidade de uma reforma eleitoral e a "questão social".


O primeiro país a tornar simétrico o poder econômico e a influência política foi a Inglaterra que, em 1832, votou o chamado "Reform Act" que era, em última análise, uma revisão do sistema eleitoral, alterando a sua substância, mas não a forma do voto distrital, ainda hoje vigente. Esta era uma alteração relativamente simples, na medida em que interessava, apenas, à burguesia de proprietários rurais, comerciantes, industriais e banqueiros, que tinham o monopólio da representação e, por conseqüência, do poder político.


O segundo problema, a questão social, era bem mais complexo. O desequilíbrio estava na estrutura e na lógica da concepção do modelo liberal-burguês de organização do sistema representativo. O poder era um vértice apoiado numa base eleitoral excessivamente estreita de proprietários, formada de alguns milhares de votantes, enquanto abaixo dela se situava uma outra muito mais ampla e cada vez mais reivindicativa, formada por milhões e milhões de trabalhadores excluídos do corpo eleitoral. Rapidamente essa massa de excluídos, da mesma forma que a burguesia o fizera, entendeu que, sem poder político, não sairia da penúria em que se encontrava. A partir dessa constatação, lançou-se contra o sistema, valendo-se das mesmas armas que, um século antes, tinham usado os burgueses para derrubar o bastão do absolutismo: o direito a representação.


DA DEMOCRACIA LIBERAL À SOCIAL-DEMOCRACIA


"De um lado, tiveram acesso à vida forças industriais e científicas que nenhuma época anterior, na história da humanidade, chegara a suspeitar. De outro, estamos diante de sintomas de decadência que ultrapassam em muito os horrores dos últimos tempos do Império Romano. Em nossos dias, tudo parece estar impregnado do seu contrário".


Marx


A visão crítica da sociedade liberal se desenvolveu desde o início do capitalismo industrial, nos primeiros anos do século XIX. Na França, três nomes são particularmente importantes neste período:


Charles Fourier (1772-1837), Claude-Henry de Rouvroy Saint Simon (1760-1825) e Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865); enquanto na Inglaterra o mais destacado é Robert Owen (1771-1858). Esses pensadores e intelectuais que entendiam ser possível, através de diferentes táticas, conciliar o capitalismo industrial burguês com as necessidades sociais dos operários, terminaram conhecidos pela designação pejorativa que lhes atribuiu Karl Marx (1818-1883): os "socialistas utópicos". Marx e Friedrich Engels (1820-1895), pensadores alemães que passaram grande parte da vida na Inglaterra, tornaram-se os maiores críticos desse grupo.


Essas duas correntes do socialismo, em sua luta contra a ordem liberal-burguesa, tornaram-se, por motivações filosóficas ou por concepções doutrinárias ou por visões estratégicas distintas, adversários políticos inconciliáveis na Europa. Dos socialistas utópicos, surgiram três grupos de partidos que ainda hoje têm significativa influência e poder nos principais países da Europa ocidental: os socialistas democráticos (não marxistas), os sociais-democratas alemães e os trabalhistas ingleses. Os socialistas da corrente marxista foram os responsáveis pelos partidos comunistas que, depois da revolução de outubro de 1917, na Rússia, tornaram a sua vertente socialista conhecida como a do socialismo real. Distantes de ambas as correntes, estão os anarquistas de Proudhon e Mikahil Bakunin (1816-1877) que, entre 1869 e 1872, lutaram contra Marx pelo controle da Primeira Internacional.


Esses "diferentes" socialistas, que constituem a esquerda do espectro ideológico político na Europa, foram responsáveis não só pela organização e pelo desenvolvimento dos movimentos operário e socialista, mas sobretudo pela tentativa de internacionalização desse movimento e dessas correntes filosóficas, de larga e duradoura influência em todo o mundo. Todos, a seu modo, contribuíram para as transformações da democracia liberal-burguesa que ocorreram entre o fim do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX e que, em última análise, terminaram gerando a transição da democracia liberal para a social-democracia.


Essas transformações são fundamentalmente duas: de um lado, a universalização do direito de voto e a implantação do sistema eleitoral proporcional e, do outro, o surgimento dos partidos de massa como instrumentos de mobilização, de canalização e de disputa do processo eleitoral. Ao mesmo tempo em que essas transformações ocorriam no campo político, na área social a crescente mobilização do proletariado urbano gerou também significativas mudanças políticas decorrentes da organização e do desenvolvimento do movimento sindical. Essa mudança é tão visível na Inglaterra, um país tradicionalmente bipartidário, que pode ser observada no próprio quadro partidário, em que o Partido Liberal virtualmente desaparece do mapa para dar lugar ao surgimento do Partido Trabalhista.


Para se ter uma idéia da mudança, as democracias liberais de então (meados do século XIX), antes da universalização do voto, tinham a seguinte representação eleitoral:


na Inglaterra, 2,3% da população; na Suécia, 5,7%; nos Países Baixos, 2,4% e em Luxemburgo, 2%. A França, que primeiro universalizou o sufrágio, em decorrência da revolução de 1848, é o melhor exemplo do que significou a conquista desse direito pela classe trabalhadora: em fevereiro o número total de eleitores não passava de 250.000. Em março desse mesmo ano, o número tinha subido para 8.000.000 e em 1849, para 10.000.000.


A universalização não se conseguiu sem luta e sem muita resistência. Com a exceção da França, onde a conquista é do século XIX, na maioria dos demais países europeus esse direito só foi reconhecido nas primeiras décadas do século XX: na Bélgica ocorreu em 1893, na Dinamarca em 1918, na Finlândia em 1906, na Inglaterra em 1918, na Itália, em 1919, na Noruega em 1913, nos Países Baixos em 1917 e na Suécia em 1921. A universalização do voto no Brasil só foi reconhecida, com exclusão dos analfabetos, pelo Código Eleitoral de 1932 que, também, assegurou o voto feminino.


A nova "população" de eleitores, especialmente depois da Primeira Guerra Mundial, levou os partidos a assumirem um novo e decisivo protagonismo político, sem o qual seria impossível continuar operando um sistema representativo idealizado para lidar com algumas centenas de milhares de eleitores que, de um momento a outro, passaram a ser dezenas de milhões. As novas pressões, decorrentes dessa mudança substancial, terminaram impondo a superação do modelo liberal não-intervencionista que cedeu lugar a uma nova concepção, impensável sob o liberalismo do século XIX, o Estado social, longamente preconizado pelos sociais democratas, socialistas e trabalhistas na Europa.


Essa transformação, embora significasse enormes avanços nas condições sociais do trabalho, representadas pela jornada de trabalho de 8 horas, seguro-saúde, seguro-enfermidade, seguro-invalidez e a generalização de um sistema público de previdência que se universalizou depois da Segunda Guerra Mundial, não provocou alterações significativas na estrutura econômica do capitalismo. Em muitos casos, foram, inclusive, concessões visando a harmonizar os conflitos de classe que se agudizavam em todo o mundo desenvolvido.


Um outro ponto que merece destaque é que a transição do Estado liberal ao Estado social, além de ter representado o surgimento e o protagonismo de um novo, amplo e disseminado sistema partidário, teve duas conseqüências que se tornaram visíveis na atualidade. A primeira é que, em decorrência da generalização do sindicalismo, e de novas formas de organização da sociedade (exemplo, ONG), a representação política perdeu o monopólio da representatividade. A segunda é que a estrutura dos sistemas partidários para a manipulação de milhões de eleitores terminou gerando, em todo o mundo desenvolvido, um sistema de financiamento de eleições de corrupção tão generalizada, que o principal resultado tem sido a progressiva perda de credibilidade do próprio sistema.


No entanto, os escândalos que têm surgido na Itália, na Alemanha, na França, na Espanha, na Inglaterra, no Japão, na Coréia e, mais recentemente, nos Estados Unidos, embora pareçam provocar tão pouca reação e reflexão no interior dos sistemas, representam, pelo menos na atualidade, a maior ameaça a sua própria sobrevivência.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


A transformação econômica e tecnológica e o movimento intelectual que ocorreram na Europa, no século XVIII, foram responsáveis por profundas mudanças políticas, institucionais e sociais e, conseqüentemente, pelo desenvolvimento histórico dos sistemas representativos nos séculos seguintes no ocidente, onde se deu à transição da liberal-democracia à social-democracia, apesar de não ter sido simétrico nem linear.


Os países da Europa ocidental foram capazes, por circunstâncias históricas, de criar, desenvolver e manter, de forma mais ou menos estável, as principais características desse sistema, ao longo dos últimos duzentos anos. Contudo, isto não significa que a trajetória tenha sido a mesma. Em primeiro lugar, é indispensável ressalvar os interregnos dos surtos totalitários que foram, quase sempre, com maior ou menor intensidade, generalizados entre a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais. Em seguida, assinalar que houve, em todos eles, peculiaridades que quebram essa aparente unidade na transição de um sistema a outro.


Feitas essas ressalvas, é preciso destacar os dois casos extremos que destoam desse conjunto: o dos Estados Unidos e o da União Soviética. Ambos constituem, ao mesmo tempo, casos particulares na evolução dos sistemas representativos desses dois últimos séculos e situações peculiares, pela importância que ambos adquiriram, nos últimos cinqüenta anos, em razão do confrontacionismo que levou a bipolarização do mundo e a uma tardia distensão que só teve desfecho com o fim do socialismo real em 1989.


Não se pode dizer que o sistema político americano tenha levado a criação de um "Estado social", como na maioria dos países europeus. Mas não se pode negar que, a despeito da preponderância do capitalismo, como forma de organização econômica, exista hoje nos Estados Unidos, uma sociedade de bem-estar social, pela qual é responsável, em grande parte, o crescente intervencionismo do Estado. No entanto, a evolução do sistema social americano é menos uma conseqüência da atuação do sistema político, como ocorreu na Europa ocidental, do que da vigorosa e agressiva ação sindical. O sindicalismo americano cresceu e se desenvolveu não só a margem, mas até mesmo contra o "establishment" político e econômico, a estrutura sindical terminou se tornando a mais poderosa e a mais articulada do mundo.


Seu poder de barganha, nos momentos da prosperidade, foi decisivo para tornar a negociação das condições de trabalho e da remuneração dos trabalhadores, um processo autônomo dentro do Estado em que a interferência do Governo é mínima.


O que na realidade provocou o advento de um grau mais acentuado de intervenção do Estado na economia e no processo de proteção social foram razões econômicas. Primeiro, a grande crise de 1929 que mostrou a fragilidade do mercado como mecanismo de auto-regulação do sistema econômico. E em segundo lugar as idéias de Keynes acolhidas por Roosevelt que, para enfrentar a crise, se viu forçado a estimular medidas de incentivo, proteção e estímulo à economia.


É claro que, com o protagonismo americano depois da Segunda Guerra Mundial, terminaram consolidando as conquistas sociais que um poderoso sistema sindical tratou de obter, de forma agressiva, estimulada pela disputa das poderosas centrais sindicais. Trata-se, portanto, de uma trajetória inteiramente diversa da que ocorreu em outras partes do mundo. O sistema político americano não foi diretamente afetado nem influenciado por essas mudanças que, muitas vezes, puseram em confronto o estamento político com as poderosas lideranças sindicais do país.


Não se pode dizer, portanto, que tenha havido uma transição do estado liberal para o estado social, na medida em que a estrutura capitalista do país não se viu afetada por nenhuma grande mudança política. Além disso, os partidos políticos americanos não sofreram, como na Europa, uma transformação qualitativa. Sua evolução histórica é, por conseqüência, muito mais "linear" do que nos países europeus.


O caso da URSS também é assintomático. A Rússia entrou no século XX com um regime autocrático que começou a ser abalado em 1905, até a irupção comunista de 1917. Desta maneira, a transição política do país não passou por uma fase burguesa. Até 1917, o socialismo e o comunismo não eram mais do que concepções filosóficas e ideológicas. Entre a publicação do manifesto comunista de 1848 e a revolução, tinham se passado apenas 69 anos, algo muito diferente do que tinha sido a lenta evolução entre o absolutismo e o advento da burguesia e entre a liberal e a social democracia.


Quando Lenin assumiu o poder, ele não tinha apenas que construir um novo Estado, tinha que conceber e pôr em prática a experiência de uma nova economia e de uma nova sociedade, sem que pudesse se valer de qualquer experiência concreta anterior. A "ditadura do proletariado" tinha que passar por uma prova concreta a qual se devia somar uma longa, 1acerante e desgastante guerra civil.


Tem que se levar em conta ainda que Marx foi um poderoso pensador, um eficiente crítico social, um economista erudito e um filósofo criativo, capaz de cristalizar suas idéias no intervalo de apenas 31 anos que medeiam entre a publicação de sua primeira obra, "Manuscritos econômicos e filosóficos", em 1844, e a "Crítica do Programa de Gotha", em 1875, oito anos antes de sua morte. Em toda a sua criação intelectual, porém, Marx não criou uma teoria do Estado, embora tivesse sido capaz de contribuir, de forma marcante, para enriquecer a filosofia política, a ideologia e a economia do século XIX, com enormes repercussões em todo o século XX.


Essa tarefa coube a Lenin. É fácil compreender porque Marx não se preocupou em "configurar" ou idealizar uma nova forma do Estado. O Estado, em toda a sua criação, é uma entidade dispensável, tendente a desaparecer, quando se atingisse o estágio final da evolução do socialismo, para então se chegar ao comunismo.


O resultado da convergência de todas as circunstâncias em que se viu envolvido Lenin, quando teve que assumir o poder, não poderia resultar em algo diferente do que ocorreu depois de sua morte e da ascensão de Stalin: o surgimento de um Estado forte, configurado numa férrea Federação. Em outras palavras, o primeiro Estado comunista do mundo não tinha um modelo original de organização política, mas seguia, ao contrário, pelo menos na forma, o modelo burguês de organização dos poderes, em que a única novidade era a simbiose Estado-partido.


Assim como o capitalismo tinha as suas contradições internas, apontadas argutamente por Marx e seus seguidores, também o socialismo real tinha as suas, na medida em que se tratava de uma nova economia, sem propriedade privada, e uma nova sociedade, aparentemente sem classes, vestidas de uma roupagem burguesa, no que diz respeito à configuração do Estado e à estruturação do governo.


Evidentemente ainda é cedo para se analisar as causas e as razões que levaram ao desmoronamento de uma estrutura de poder que parecia monolítica e sólida, para durar séculos e que não conseguiu, sequer, comemorar seu centenário.


O que há de singular no caso da URSS é que se trata, como nos Estados Unidos, de uma evolução sem transição. Isto não quer dizer, obviamente, que o sistema político tivesse algo a ver com a democracia liberal, ou com o sistema político burguês. O direito e a liberdade das liberais democracias eram considerados "valores burgueses" e, como tal, incompatíveis com a nova ordem socialista. O próprio conceito de representação foi adaptado para se compatibilizar com o novo sistema, adotando-se uma representação de caráter sociológico com todas as limitações de sua aplicação prática, ao lado de uma representação federativa, no caso do Soviete das Repúblicas.


Outra limitação foi a adoção do sistema de partido único que transformou o PCUS num caso estritamente diferente dos partidos burgueses e de massa.


Por fim, observa-se que o mundo ocidental no novo século ainda procura uma identidade política capaz de lhe proporcionar os alicerces necessários ao seu desenvolvimento social, econômico e ao combate às desigualdades, sejam elas dentro dos Estados, ou seja, entre nações. Ademais, novos atores surgem, através das corporações, organizações e organismos supranacionais, internacionais, multinacionais e transnacionais, para limitar a soberania e disputar o poder com os governos dos Estados nacionais.


O direito universal à representação, que no passado foi responsável pelas grandes mudanças políticas e institucionais, parece enfraquecido e desacreditado pelas "massas". O desinteresse crescente dos cidadãos pelo processo eleitoral demonstra isso. O movimento pendular entre a "democracia liberal", dedicada quase que exclusivamente à regulação da sociedade civil, e a "democracia social", representada por um Estado de Bem-Estar, além da sempre presente tentação pela solução do Estado totalitário, provavelmente continuará sendo motivo de disputa ideológica e o paradoxo da civilização no século XXI.


por: Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior & Márcio Mota Miranda

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