"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Os Iguais e os Desiguais



Em seu discurso de posse, o novo ministro do STF Luiz Fux afirmou que a lei deve tratar desigualmente os desiguais
E foi mais além: alegou que defende o fim da neutralidade do juiz.


Com isso, o mais novo representante do ápice do Poder Judiciário pátrio posiciona-se publicamente contra dois dos principais pilares do funcionamento da justiça na concepção dada a esta instituição pelos modernos conceitos de "democracia".


Antes de analisar o impacto desta declaração é preciso ter-se em mente as prerrogativas do cargo que assume o recém-empossado ministro. 


O artigo 102 da Constituição Federal estabelece:


Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (...)


Todos os cidadãos têm o dever de cumprir o disposto na Constituição Federal. Às autoridades públicas, esse dever deve ser cobrado de forma ainda mais acintosa, uma vez que, responsáveis pela ordem pública que são, devem não apenas cumprir eles mesmos mas também exigir que outros a cumpram. Mas as autoridades do Supremo Tribunal Federal são ainda mais responsáveis. 


A principal, embora não a única, função do Supremo Tribunal Federal é a garantia do cumprimento da constituição. Assim, os ministros do STF, mais do que qualquer pessoa, têm o dever de cumprir a constituição pois a principal função do órgão que representam é justamente a defesa da lei fundamental do país.


Vejamos agora o que diz o artigo 5° da Constituição Federal, o mais utilizado por advogados em suas demandas no judiciário:


Art. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)



Será que há alguma dúvida quanto ao disposto neste artigo? "Todos são iguais perante a lei", está escrito explicitamente no artigo mencionado acima. 


Com base em que, então, o Sr. Ministro afirma que a lei deve tratar desigualmente os desiguais? Certamente, não na Constituição. Isto é muito grave, pois é dever do Sr. Ministro zelar pelo cumprimento DESTA constituição, não da constituição que ele acha que deveria vigorar no lugar dela.



Mais grave ainda do que isso é ele ter-se posicionado publicamente contra o "mito da neutralidade do juiz". Ao classificar a neutralidade do juiz como um "mito", ele está afirmando que ela não existe em parte alguma. Ou seja, os países onde institucionalmente os juízes são obrigados à neutralidade estariam, segundo Sua Excelência, mentindo para seus cidadãos ao tentar fazê-los acreditar neste "mito". 


Aqui, em terras Tupiniquins, estaríamos, na visão de S. Exa. um passo além desses países atrasados, presos a esta idéia ultrapassada e sem fundamento, segundo a qual os juízes têm o dever de permanecerem neutros. 


Livres deste "mito", estaríamos, segundo esta visão, em condições de prover uma justiça muito mais eficiente e justa do que esses países, presos que estão a este conceito tão inconveniente quanto afastado do mundo real. Talvez o único motivo desta declaração não ter gerado um incidente diplomático seja o fato de que outros países não terem prestado muita atenção à posse do novo ministro e, ainda menos, em seu discurso.



Uma dúvida foi deixada no ar pelo discurso do Sr. Ministro: Se os juízes não devem assumir uma postura de neutralidade, do lado de quem devem se posicionar? É uma postura instigante. A idéia de que o juiz deve ser neutro é um "mito", ou seja, uma idéia desvinculada da realidade, de impossível implementação, com a qual devemos romper. 


Então o juiz deve posicionar-se "ab initio" (operadores do direito adoram falar latim) em favor de uma das partes. Mas qual? Como escolher a parte do lado da qual ele deve posicionar-se? Não havendo uma diretriz clara neste sentido, nem na lei, nem na jurisprudência nem mesmo no discurso do Sr. Ministro, deixa ele uma brecha para que cada juiz escolha segundo seu critério pessoal a parte do lado de quem se posicionará durante todo o processo. 


E o juízes podem fazer isso com o aval de um Ministro do STF. É o fim da segurança jurídica.



S. Exa. afirmou ainda que a justiça deve ser morosa apenas para quem não tem razão. Uma posição instigante. Um processo judicial tem sempre duas partes (às vezes tem mais de duas, mas são situações muito particulares e raras). Se uma não tem razão, então assiste razão à outra. Como ser moroso para a parte que não tem razão e não ser para a outra, que tem razão, se ambas estão presentes no mesmo processo? 


Talvez o Sr. Ministro tenha pretendido que se assiste razão ao autor e não ao réu, o processo deva ser rápido e caso contrário, lento. Muito justo. Mas como decidir se assiste razão ao autor antes que a sentença seja proferida? Talvez pela parcialidade com a qual, segundo o novo ministro, a causa deva ser julgada. 


Então, se a tese do Sr. Ministro tornar-se a regra, saberemos: se um processo começar a demorar demais, se os prazos não forem cumpridos, se o trâmite for mais longo que o razoável, não é necessário esperar a sentença, pois sabemos de antemão que será desfavorável ao autor.


Essa é a justiça que preconiza S. Exa, com a autoridade de guardião da Constituição Federal que é peculiar aos Ministros da Corte Suprema. Será essa a Justiça que nosso triste Brasil precisa? Você, leitor, é o juiz desta questão...



por: Mário Barbosa Villas Boas

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