Há 25 anos, desde a redemocratização do País e a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, muitos brasileiros, estudiosos do assunto ou não, buscam cada vez mais respostas para a chamada “lentidão” de nosso processo legislativo, atribuindo-lhe, por diversas vezes, a incapacidade coletiva de dar respostas, no devido tempo, às demandas da sociedade brasileira no processo de formulação das diversas políticas públicas, sejam elas de natureza institucional, econômica ou social. Muitas reformas estruturais ou institucionais consideradas essenciais – política, fiscal e tributária, previdenciária e trabalhista – já são listadas por muitos como integrantes da chamada “Agenda Perdida”. O conhecido e “imexível” Custo Brasil parece desconhecer as alterações globais ocorridas nas duas últimas décadas, tornando nosso país cada vez menos competitivo dentro da nova realidade mundial, ao menos no mercado dos bens manufaturados. Desde já, parece-me que nossa ansiedade pela redemocratização acabou acalentando sonhos de que daríamos este grande passo instantaneamente, sem reconhecer que estávamos apenas iniciando uma longa jornada de reconstrução, a qual exigiria educação, compreensão institucional e muita dedicação na elaboração de todo um processo operacional capaz de dar respostas aos anseios da população. Logo após a promulgação da Constituição de 1988, em meio ainda ao nosso processo de estabilização política, tentamos dar andamento à prevista Reforma Constitucional de 1993, a qual não logrou resultados concretos, mas acabou servindo para semear importantes subsídios para a abertura da ordem econômica a partir de 1995. Somos forçados a reconhecer que até a virada para o século XXI, acabamos vivendo um período de institucionalização, estabilização e consolidação da nossa nova ordem política e econômica, tendo ultrapassado diversas barreiras sem cairmos na tentação de adotar soluções imediatistas ou inconstitucionais. Ao longo dos últimos 16 anos, importantes avanços econômicos e sociais foram obtidos. O País está mais resistente a crises internas e externas, o mercado interno ficou maior e mais atrativo, as camadas da população cada vez mais têm acesso a bens e serviços. Finalmente, é chegada a hora de revisarmos e ajustarmos nossos mecanismos institucionais para darmos respostas mais rápidas aos anseios dos cidadãos, eleitores e contribuintes – diretos ou indiretos. Neste artigo pretendemos elencar alguns aspectos que nos parecem importantes ao melhor funcionamento do Poder Legislativo. Também nos deteremos, mais especificamente, em algumas mudanças institucionais necessárias no sistema de tramitação de matérias no Congresso Nacional, a fim de aperfeiçoar o processo legislativo e dar-lhe maior celeridade, aumentando o nível de resposta à sociedade e à administração pública brasileira. Traços culturais Em qualquer processo deliberativo, seja em condomínio, clube, ONG, empresa, entidade de classe, sindicato ou até mesmo no Legislativo, nós, brasileiros, demonstramos nossa aversão a qualquer processo decisório que não seja por consenso ou unanimidade: culturalmente, temos pavor de uma derrota política ou moral, e uma absoluta preferência por acordos nem sempre factíveis e, por consequência, de resultados altamente duvidosos. A qualquer embate que exija aprofundamento técnico para uma decisão iminente preferimos a formação de um grupo de trabalho, a simples prorrogação do prazo-limite preestabelecido, ou – no limite – a composição de uma solução salomônica, que, ao tentar agradar a gregos e troianos, busca o menor denominador comum e acaba não gerando qualquer resultado prático, e sim enorme frustração, quando não potencial contencioso. Nesta cultura de preferir nos reunir a decidir, buscamos o consenso, postergamos a deliberação, deixamos para depois, e nem sempre chegamos à mais sábia das decisões quando tratamos de política pública, uma vez que, diante da falta de uma resolução final, sequer nos damos ao direito de decidir, implementar, acertar ou errar, fiscalizar, mensurar e corrigir eventuais erros anteriores por meio de novas políticas públicas. No processo decisório das políticas públicas, que acabam por demandar a participação do Poder Legislativo, sempre haverá, ao final, ganhadores e perdedores, sejam eles grupos de interesse da sociedade civil, níveis da administração pública ou poderes constitucionalmente instituídos. Esta é uma das realidades da vida de que temos de nos dar conta para poder crescer. Educação institucional Avanços institucionais exigem, ao menos das lideranças civis, públicas e políticas, um processo de educação cívico-institucional no qual, entretanto, após 25 anos, estamos apenas engatinhando, infelizmente. Socialmente, nós nos damos o direito a esta discussão institucional democrática, de forma similar a como discutimos a solução dos problemas nacionais ou a escalação da seleção de futebol, sem ao menos conhecer as regras básicas, sem sequer conhecer o texto constitucional. Mesmo junto a formadores de opinião, atores principais da vida coletiva, grupos de interesse, grupos de pressão, lideranças da sociedade civil, políticos, burocratas e gestores públicos, ainda é muito baixo o conhecimento sobre as funções, dinâmica e funcionamento do Poder Legislativo. Com isto, muitas vezes espera-se deste Poder ou se lhe atribui, indevidamente, o que não está ao seu alcance, como é típico no caso das “leis que não pegam, pois não existe vontade política”. Para poder criticar o Legislativo, além da simples desqualificação sem fundamento e, portanto, estéril, é preciso conhecê-lo muito melhor. Sistema político-partidário Nosso sistema político-partidário resultou até agora no registro de 27 partidos políticos junto ao Tribunal Superior Eleitoral, 19 dos quais contam com representação no Congresso Nacional. A grande maioria desses partidos não discute, formula, revisa, divulga programas ou ideologias estruturadas, nem norteia sua atuação por eles, mas apenas e tão somente por programas e ações para chegar ao poder ou nele permanecer. Nosso sistema político-partidário baseia-se essencialmente em pessoas capazes de alavancar toda uma estrutura de poder, e não em políticos a serviço das bandeiras programáticas de seus respectivos partidos. Os programas dos candidatos baseiam-se nas pesquisas qualitativas de opinião pública junto aos eleitores, que cada vez dão menos destaque e importância às conotações ou vinculações programáticas. Tal fato resulta em situações como as constatadas pelo ESEB (Estudo Eleitoral Brasileiro): aproximadamente 71% dos brasileiros consideram que nenhum partido político representa sua maneira de pensar. Os programas de governo dos eleitos seguem a mesma linha, dissociados da realidade a ser enfrentada e gerida. Já os parlamentares dos mais diversos partidos dão preferência aos interesses locais ou setoriais em detrimento das orientações programáticas ou dos respectivos líderes. As coalizões político-partidárias top-down para as campanhas eleitorais no plano federal, desvinculadas das realidades estaduais e municipais, acabam por resultar em um quadro complexo e mal resolvido, o qual exibirá seu passivo político quando da relação entre Executivo e Legislativo após a eleição. Tudo isto deságua no que alguns cientistas políticos passaram a denominar, na América Latina, de “presidencialismo de coalizão, no qual a governança reserva à Presidência um papel crítico e central no equilíbrio, gestão e estabilização da coalizão de determinado número de partidos, os quais, a depender da conjuntura política, se juntam para formar um consórcio de apoio e sustentação ao presidente”. Os reflexos deste sinuoso sistema político-partidário são visíveis no dia-a-dia do Legislativo, seja ele federal, estadual ou municipal, quando da tramitação, obtenção de quórum e maioria para aprovação das matérias mais complexas, como as propostas de emendas à Constituição, propostas de leis complementares ou medidas provisórias, ou por vezes até mesmo quando da tramitação das matérias mais simples, como leis ordinárias e demais atos legislativos. Tanto nas coalizões de sustentação quanto nas coalizões de oposição, as ideias e pontos a serem defendidos, sustentados e votados são construídos caso a caso, projeto por projeto, tornando o processo extremamente lento e sujeito a todo tipo de intempéries. Credibilidade e imagem do Poder Legislativo Após a redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988, o Poder Legislativo federal tem passado por inúmeras crises de natureza ética, as quais afetam sua imagem e credibilidade perante a opinião pública, como poder e como instrumento institucional, essencial para o funcionamento de uma democracia equilibrada, com pesos e contrapesos entre os poderes, e entre os partidos de sustentação e de oposição. Estas crises, presentes cada vez mais na mídia brasileira, sugam energias que deveriam estar voltadas para a tarefa legislativa, por vezes paralisando os trabalhos das respectivas Casas. Ainda assim, os deputados e senadores não se dedicaram a institucionalizar medidas para sanear e reduzir este tipo de problema, aprofundando a discussão e deliberando sobre uma reforma político-partidária, sobre o financiamento eleitoral, sobre a proposição, discussão, aprovação e execução do Orçamento, sobre a transparência nos gastos de custeio da própria estrutura legislativa, sobre o combate à corrupção, e até mesmo sobre a regulamentação da atividade de lobby proposta inicialmente, em 1989, pelo senador Marco Maciel. A cada crise, medidas tópicas são adotadas, até que uma nova crise de natureza semelhante surja, seja devidamente esvaziada de modo corporativo no tempo, sem a real percepção de que a atividade parlamentar é bem avaliada por apenas 14% da população brasileira, enquanto 39% consideram o seu desempenho regular e 40%, ruim ou péssimo (Datafolha, agosto de 2009). Em relação aos índices de confiança, é recorrente que o Congresso Nacional brasileiro tenha a pior avaliação entre quaisquer instituições listadas. De acordo com a pesquisa CNT/Sensus (janeiro de 2010), aproximadamente 78% dos brasileiros “não confiam nunca”, ou confiam “poucas vezes” no Congresso Nacional. Em setembro de 1998, este índice de descrédito chegava a 73%, o que nos leva a inferir que o Congresso Nacional pouco atuou para a melhoria de sua imagem. Ainda que os eleitores sejam, em última instância, os grandes responsáveis pelos parlamentares eleitos, cabe perguntar o que a instituição Congresso Nacional – Câmara dos Deputados e Senado Federal – está fazendo ou se propõe fazer para, estruturalmente e não publicitariamente, melhorar sua relação com os cidadãos, eleitores e contribuintes brasileiros e, por consequência, sua imagem. Agendas prioritárias Muitas pesquisas de opinião pública são realizadas pelos mais diversos candidatos às eleições majoritárias, pelos partidos políticos, pelos governos, pelas grandes confederações empresariais e sindicais. Diagnósticos dos nossos problemas imediatos e estruturais também existem. Apesar de tudo isto, nossos governantes têm enorme dificuldade em preparar uma Agenda Nacional que, embora abrangente, defina itens como prioritários. Na sociedade civil, este movimento já ganha maior força, mas a transparência na defesa dos interesses de cada setor ainda é pequena. Já nossos governantes preferem a diversidade à prioridade, incorrendo novamente no erro de querer agradar a todos e não agradando a ninguém. Em geral, nossos presidentes, governadores e prefeitos somente prestigiam as respectivas Casas legislativas quando das respectivas posses. A partir daí, anualmente, no início dos trabalhos, por dever constitucional, enviam às mesmas Casas legislativas seus balanços e mensagens anuais, por meio de um de seus ministros ou secretários, sem qualquer explicitação e interação com os parlamentares e cidadãos a respeito das suas prioridades de governo. Se os principais proponentes de ações legislativas não prestigiam e valorizam estas Casas e não lhes transmitem diretamente o que desejam, como cobrar-lhes colaboração e eficiência? Em uma nação onde os horários gratuitos em redes de rádio e televisão são utilizados à exaustão pelos poderes constituídos e partidos políticos, por que estas mensagens anuais, que na essência são planos de trabalho, não são priorizadas e transmitidas ao vivo para a população? Uma vez que governantes e parlamentares legitimamente eleitos devem prestar contas de seus trabalhos aos cidadãos, é importante que possamos distinguir, em certos momentos, as tarefas republicanas de uns e outros das suas vinculações político-partidárias, aceitando a ideia de que a ida de um presidente, governador ou prefeito à respectiva Casa legislativa é um ato desta natureza, e como tal deve ser respeitado, independentemente das opiniões pessoais ou partidárias. De outra parte, os parlamentares vivem criticando as atividades legislativas dos demais Poderes – Executivo e Judiciário – mas por que não criam, por meio dos seus presidentes eleitos, em conjunto ou não com as mesas diretoras ou com os colégios de líderes, agendas próprias, ao menos em sintonia com os anseios da população identificados nas pesquisas de opinião pública, priorizando, por exemplo, soluções estruturais por meio de instrumentos legislativos para melhorar a segurança pública, ou a educação básica e fundamental? Se esses temas não se constituem em bons exemplos para uma agenda legislativa do Congresso Nacional, o que dizer em relação à Constituição de 1988, na qual muitos veem avanços e outros retrocessos, uma vez que, dos 352 dispositivos sujeitos à regulamentação, apenas 210 já foram regulamentados, enquanto 142 ainda aguardam regulamentação – 64 com proposições e 78 sem proposições – gerando todo tipo de interpretação, de ingerência ou judicialização, quando não mau funcionamento até mesmo de seus instrumentos internos, como no caso das comissões parlamentares de inquérito, para as quais ainda não há uma lei própria e adequada? O Legislativo federal em números A Constituição de 1988 dedicou um capítulo específico ao Poder Legislativo, elencando entre os artigos 44 e 69 as atribuições do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos deputados e senadores, das reuniões, das Comissões e do processo legislativo. Desde 1988, a estrutura orgânica do Legislativo federal tem crescido e se tornado cada vez mais complexa não apenas do ponto de vista político-partidário: os 513 deputados federais, distribuídos, em 1990, em onze comissões permanentes, agora integram vinte destas comissões, além das subcomissões, comissões especiais, frentes e grupos parlamentares. Da mesma forma, os senadores, membros em 1988 de oito comissões permanentes, agora integram onze comissões, além das subcomissões, comissões especiais, frentes e grupos parlamentares. Em consequência, a própria estrutura funcional destas Casas legislativas, bem como a estrutura funcional que trabalha diretamente com os parlamentares, também cresceram proporcionalmente. Para acompanhar tudo isto, o número de profissionais que acompanham as atividades legislativas, em um modelo institucional muito centralizado ao nível federal, inchou enormemente, englobando o trabalho de vinte mil pessoas entre funcionários internos e externos. A quantidade de projetos e propostas discutidas no Congresso é enorme. No início dos trabalhos legislativos de 2010, o número de proposições em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal aproximava-se de 21 500 (Tabela 1). Desse total, o número de proposições prontas para a inclusão na Ordem do Dia, nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado federal, ou seja, prontas para votação final, aproximava-se de 2 200 (Tabela 2). Parte das proposições da Legislatura anterior – cada Legislatura equivale a quatro anos de trabalho, também chamados de sessões legislativas – continuou tramitando na atual, por serem iniciativa de outro Poder, ou por já terem tido pareceres favoráveis das comissões permanentes. Portanto, parte desse número consiste em estoque anterior e parte destas proposições consiste em fluxo de proposições apresentadas ou desarquivadas (reapresentadas) a partir de 2007, ano do início desta Legislatura. Da mesma forma que o Poder Judiciário passou a enfrentar seus problemas de gargalos operacionais, a partir de um complexo diagnóstico, isso também é necessário para o Poder Legislativo, por meio de um claro entendimento de que as duas Casas fazem parte de um único processo legislativo do ponto de vista da modelagem funcional e institucional: elas podem trabalhar com regimentos internos próprios, desde que o sistema como um todo não apresente pontos indefinidos, capazes de postergar as decisões de políticas públicas demandadas pela sociedade e pelos demais Poderes ou níveis administrativos. É importante registrar que os atuais regimentos internos, tanto da Câmara quanto do Senado, foram editados em 1989, já adaptados à Constituição de 1988, quando nossa percepção sobre o nível de demanda legislativa era outra, pois emergíamos do processo de redemocratização. De lá para cá, algumas alterações foram aprovadas, mas apenas na Câmara ainda existem 328 projetos de resolução que propõem alterações no seu regimento interno. Para tanto, uma Comissão Especial da Reforma do Regimento Interno foi constituída com base no Projeto de Resolução no 63 de 2000, porém não conseguiu desenvolver seus trabalhos a contento. O projeto foi encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça, onde aguarda até o momento a manifestação da Casa. No Senado, as propostas foram apresentadas por um grupo de trabalho e atualmente aguardam a análise da comissão temporária destinada a estudar a reforma do regimento. Alteração do calendário legislativo O atual calendário anual dos trabalhos legislativos, basicamente restrito às sessões deliberativas em dois ou no máximo três dias por semana, ao longo de dez meses por ano, já não faz mais sentido em termos operacionais, de custos e do desgaste junto à sociedade. As propostas para ampliar o número dos dias de trabalho semanal, acompanhadas de um número maior de recessos anuais (uma semana ou dez dias por mês, ou devidamente alocados junto a feriados nacionais e religiosos), certamente tornariam o processo muito mais produtivo, reduziriam esta louca e desgastante dinâmica de stop-and-go semanal e proporcionariam mais tempo útil para que os parlamentares mantivessem contatos com as respectivas bases locais. Integração dos regimentos internos ou código legislativo A revisão dos regimentos internos deve, necessariamente, partir do pressuposto de que cada uma das Casas legislativas faz parte de um processo legislativo único, virtuoso e não sinuoso. Aprovando ou rejeitando as mais diversas proposições, os parlamentares de cada uma das Casas devem ter em mente que, no exercício de suas atribuições, eles estão a serviço da sociedade, à qual deveriam prestar contas do trabalho efetivamente realizado durante os respectivos mandatos. Com regimentos internos tão diferenciados, e processos tão sinuosos, é fácil colocar neles a culpa da falta de solução de grande parte das proposições. Mas eles, no entanto, não são reformados para funcionarem de maneira harmônica e sinérgica por causa da falta de entendimento, sintonia e vontade política dos próprios parlamentares. Para apresentar resultados concretos, a revisão dos regimentos internos de cada uma das Casas deverá estar baseada em estudo promovido pelo Congresso Nacional, no qual (ao contrário do que vem ocorrendo) as regras dos processos legislativos não busquem a supremacia de uma sobre a outra, ou a geração de vácuos processuais, para os quais as proposições são endereçadas em vez de serem aprovadas ou rejeitadas. A criação de um código de processo legislativo federal, ainda que com capítulos específicos sobre o funcionamento do Congresso Nacional – Câmara dos Deputados e Senado Federal – poderá dar maior transparência, acesso e interação entre a sociedade civil, órgãos da administração pública e os processos legislativos ali desenvolvidos. Responsabilidade fiscal solidária Os mecanismos ora existentes para mensurar os impactos fiscais nas proposições em tramitação são extremamente frágeis e ineficazes. As proposições recebem uma superficial análise sobre a adequação financeira na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados e na de Assuntos Econômicos do Senado Federal, sem qualquer vínculo com a Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional, a qual anualmente examina a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual. O resultado é que continuamos a discutir, votar e aprovar políticas públicas propostas pelos Poderes Executivo e Judiciário e pelos próprios parlamentares, sem ter em mente que o Estado nada cria e que os custos decorrentes destas políticas públicas serão pagos pelos contribuintes, enfim, pelos cidadãos, de maneira direta ou indireta, até mesmo quando da aquisição de produtos da cesta básica ou de bens e serviços necessários ao seu consumo e bem-estar. Não faz qualquer sentido almejar uma reforma fiscal e tributária que vise à redução da pesada carga tributária anual imposta aos contribuintes, se o processo legislativo ora existente permite a aprovação de proposições onerosas sem as devidas transparência e publicidade, sem uma avaliação técnica mais profunda e capaz de responder à seguinte questão essencial: de onde surgirão os recursos para implementar a proposição? Refletindo a superficialidade das análises técnicas sobre seu impacto orçamentário, a Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara dos Deputados considerou que aproximadamente 48% das proposições deliberadas em 2009 não resultavam em impactos orçamentários ou financeiros. Essas aprovações estão sujeitas a acordos políticos contabilizados a granel e pouco se relacionam com os aspectos técnicos. Já que a Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional é tecnicamente mais bem estruturada para tal, deveria opinar sobre o impacto fiscal dessas proposições, uma vez que ela analisa, discute, vota e aprova o Orçamento em execução e em discussão para o exercício seguinte. Para tanto, a renovação dos membros dessa comissão deveria deixar de ser anual e passar a ser feita a cada dois anos, de modo a dar-lhe mais estabilidade e responsabilidade efetiva. Responsabilidade fiscal solidária deve ser um princípio de gestão pública a ser perseguido por todos os Poderes em todas as esferas administrativas, e não apenas pelos Poderes Executivos (ministérios ou secretarias da Fazenda e Planejamento), ou em última instância pela política momentânea restritiva do Banco Central. Propostas de emenda à Constituição O rito para a tramitação de propostas que visem a alterar o texto constitucional vigente deve ser revisto. Atualmente, uma proposta está submetida a processos diferenciados na tramitação em cada uma das Casas legislativas, de difícil compreensão para os formadores de opinião, atores e grupos de interesse e para a sociedade em geral. Após longa tramitação, na qual se requer sua aprovação em dois turnos por ⅔ dos parlamentares de cada uma das Casas, pode-se chegar a propostas diferentes em cada uma delas. Atualmente, quando isso ocorre, essas proposições permanecem paralisadas por falta de acordo ou, ao final de algumas negociações, acaba-se por “fatiar” o texto proposto e discutido, promulgando-se parcialmente um texto acordado. Este instrumento precário e discutível poderia ser substituído pela elaboração de um texto comum, a ser discutido entre senadores e deputados no âmbito de uma comissão mista, especificamente criada para tal pelo presidente do Congresso Nacional, com um prazo de 60 ou 90 dias para concluir seus trabalhos e oferecer um texto único a ser deliberado pelas duas Casas reunidas em sessão do Congresso Nacional. Medidas provisórias A utilização à exaustão do instrumento da medida provisória pelo Poder Executivo acabou criando sérios problemas para o bom funcionamento do Poder Legislativo, uma vez que a edição de um número excessivo dessas medidas, consideradas imprescindíveis por aquele Poder, acaba por bloquear a pauta dos trabalhos dos plenários de ambas as Casas por diversas semanas. É fundamental restringir ainda mais a utilização de medidas provisórias pelo Poder Executivo. Além disso, é fundamental instalar as comissões mistas de deputados e senadores encarregadas de analisar e votar se as medidas são mesmo urgentes e relevantes, até o prazo de 14 dias da sua emissão, eliminando ainda as dúvidas suscitadas até hoje quanto ao destino das mesmas, quando o Congresso Nacional não as considere urgentes e relevantes a ponto de justificar que sejam objeto deste instrumento institucional. As comissões permanentes e a competência legislativa plena É preciso entender alguns dispositivos do processo legislativo, como o poder conclusivo ou terminativo. As mesas diretoras das respectivas Casas possuem a prerrogativa de despachar um projeto às comissões de forma conclusiva (na Câmara) ou terminativa (no Senado). Ou seja: quando isso ocorre, dispensa-se o Plenário de se manifestar em relação a determinada matéria, salvo quando seja apresentado um recurso de 10% dos membros da Casa para que o assunto seja levado ao Plenário. Tal dispositivo foi criado, inicialmente, com o intento de dar maior celeridade às deliberações de projetos e diminuir o contencioso legislativo do Plenário. Em que pese o instituto do poder conclusivo ou terminativo ter sido introduzido pela Constituição de 1988, e acolhido pelos regimentos internos da Câmara e do Senado, os resultados em termos de processo legislativo final ainda não são expressivos quando analisados à luz do estoque e fluxo de proposições a cada Legislatura. Além disso, outro aspecto que deverá ser reformulado são os meios regimentais ora existentes, para que esta suposta competência legislativa plena resulte em competência plena não apenas de direito, mas de fato. Porque, de fato, atualmente, é muito simples impedir que uma decisão dessas comissões em caráter conclusivo ou terminativo seja, ao contrário, postergada por tempo indeterminado. São inúmeras as alternativas processuais para levar essas proposições às superlotadas agendas dos plenários, bastando um parecer contrário de uma das comissões permanentes ou a manifestação de um décimo dos parlamentares através de recurso próprio, para que isto aconteça. Dar celeridade ao processo legislativo não significa, necessariamente, fazer leis às pressas, mas evitar atos processuais eminentemente protelatórios. Além de reestruturar o processo legislativo como um todo, de forma harmônica, para dar vazão ao menos ao fluxo e ao estoque de projetos de lei ordinária, as comissões permanentes deveriam receber melhor infraestrutura técnica e operacional e passar a realizar um número maior de sessões ou reuniões mensais ou semanais, a exemplo do que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara já vem fazendo, com habituais três reuniões deliberativas semanais. Uma comissão permanente, que se reúna apenas uma vez por semana (35 a 38 semanas por ano), dificilmente conseguirá dar vazão ao número de proposições e audiências públicas necessárias para realizar um trabalho adequado. Os Plenários Nosso sistema legislativo resultou em superlotação de proposições prontas para a inclusão na Ordem do Dia, em confronto claro com uma priorização de matérias – medidas provisórias, projetos com urgência constitucional, projetos com urgência dos líderes, apreciação de requerimentos etc. – as quais por si só praticamente já esgotariam os trabalhos desses plenários, não fosse o número de recursos regimentais protelatórios ora existentes (destaques, verificação de quórum, etc.). Recorde-se que até meados de 2009, o Plenário da Câmara dos Deputados muito raramente conseguia apreciar qualquer proposição que não fosse uma medida provisória ou projeto com urgência constitucional. Assim, as propostas de emenda constitucional, os projetos de lei complementar e os projetos de lei ordinários, não apreciados pelas comissões permanentes em regime de competência legislativa plena ou submetidos ao recurso regimental por um décimo dos parlamentares, acabavam indo para o estoque das proposições prontas para o Plenário, do qual dificilmente sairiam em face de inexistência de uma janela de oportunidade temporal ou em face de falta de acordo entre os líderes para a sua inclusão na Ordem do Dia. Os instrumentos de obstrução e DVS (Destaques para a Votação em Separado) apresentados pelas bancadas partidárias, idealizados para resguardar os direitos das minorias, foram banalizados e acabaram por transformar-se no direito de barrar a votação e consequente aprovação ou rejeição de qualquer proposição realmente importante no processo de formulação das políticas públicas. Novas regras para o arquivamento e fluxo das proposições em tramitação As atuais regras para a continuidade da tramitação de proposições entre uma Legislatura e outra – a cada quatro anos – e para o desarquivamento de proposições antigas, que ainda não receberam qualquer parecer das comissões permanentes, também devem merecer uma revisão, uma vez que a solução, hoje aplicada, gera um enorme aumento das proposições em tramitação, as quais deverão ser processadas – analisadas e votadas – pelas comissões permanentes e/ou plenários. Consolidação das leis Importante instrumento que deve ser mais utilizado, a consolidação das leis federais é realizada mediante a reunião em códigos e consolidações integradas por volumes contendo matérias conexas ou afins, constituindo em seu todo a Consolidação da Legislação Federal. Esta consiste na integração de todas as leis pertinentes a determinada matéria num único diploma legal, revogando-se formalmente as leis incorporadas à consolidação, sem modificação de seu alcance nem interrupção da força normativa dos dispositivos consolidados. Na Câmara dos Deputados, um Grupo de Trabalho foi constituído em 2007 para apreciação dos projetos de lei de consolidação e apresentação à Mesa Diretora da Instituição, como é o caso de Saúde, Meio Ambiente, Telecomunicações, Trabalhista, entre outros. Outra meta importante deve ser o real estabelecimento de um sistema normativo a ser seguido por toda a administração federal, para em seguida criar um sistema federal de indexação constitucional, infraconstitucional e normativa, a exemplo do que já existe em outros países. Com a profusão de leis e atos normativos regulatórios promulgados, sancionados e editados a cada ano, o cidadão, eleitor e contribuinte, força produtiva que move esta nação, além de arcar com a pesada carga tributária, é obrigado a gastar muito tempo e muitos recursos para se manter atualizado a respeito de suas obrigações e direitos. Deveríamos, ao menos, tentar facilitar a vida dos agentes econômicos e sociais, tornando-lhes disponíveis um sistema regulatório hierarquizado e indexado por meio de códigos. Neste breve artigo tentamos fugir de aspectos estritamente acadêmicos ou regimentais para elencar, de forma ainda que superficial, alguns dos pontos a serem considerados para a atuação de um Poder Legislativo mais eficaz, no sentido de fortalecer institucionalmente nossa opção democrática, passando a dar respostas mais concretas aos anseios dos cidadãos, eleitores e contribuintes. Dando maior ênfase à educação cívica e institucional das novas gerações, focando na solução das questões institucionais, funcionais e processuais, este Poder certamente melhorará seu desempenho nos planos federal, estadual e municipal, contribuindo para a geração e solução de políticas públicas necessárias, sejam elas de natureza social ou econômica. A jornada certamente será longa, mas não mais poderá ser postergada. • Eduardo Carlos Ricardo é administrador de empresas e sócio-diretor da Patri – Políticas Públicas, Relações Institucionais e Governamentais, fundada em 1986, prestadora de serviços neste setor para a iniciativa privada e para iniciativas da sociedade civil. |
"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."
quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
Por um Poder Legislativo Mais Eficaz
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