PRIVATIZAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO SOCIAL E DEMOCRÁTICA DE DIREITO DE 1988
A Constituição Social e Democrática de Direito de 1988 da República Federativa do Brasil obriga que juristas, políticos, autoridades, administradores públicos e toda a sociedade almejem que um dia cheguemos no país ao Estado do Bem-Estar Social e Democrático de Direito.
Com o fim da ditadura militar iniciada com o golpe de 1964 e
a redemocratização a partir de 1985, e desde a Constituição de 1988, a
Democracia formal ainda está sendo construída no país, para que um dia sejamos
uma Democracia substancial.
O Estado do Bem Estar ou Estado Social caracteriza-se como
um Estado que intervêm na economia e no social, de forma direta e indireta.
Nossa Constituição prevê uma evolução do primitivo liberalismo, do Estado
Liberal.
O Estado Social garante a liberdade, mas uma liberdade que
vai além da igualdade do liberalismo, é uma liberdade com dignidade. Garante
igualdade, mas não apenas a igualdade formal do Estado Liberal, mas uma
igualdade material, com redistribuição. Prevê fraternidade, não como um favor
do liberalismo, mas como direitos sociais, uma obrigação do Estado.
O Estado Social não interfere no econômico e social apenas
de forma indireta. O Estado do Bem-Estar caracteriza-se como um Estado
prestador de serviços públicos, um Estado que explora atividades econômicas nos
termos do art. 173 da Constituição (casos de segurança nacional ou a relevante
interesse coletivo).
O Estado Social não é um Estado apenas policial como o
liberal, mas um Estado prestacional, que limita os poderes econômicos.
Democracia em que o poder do dinheiro é o que vale não é democracia.
A desigualdade é autoritária e vai contra a democracia. E
serviços públicos prestados apenas por particulares e um Estado apenas
regulador, com o velho discurso da liberdade liberal, joga na lata de lixo a
igualdade e a fraternidade.
No Brasil o neoliberalismo, o retorno ao Estado Liberal, é
inconstitucional. O que diz nossa Constituição Social e Democrática de Direito
de 1988?
–Sociedade livre, justa e solidária (3º)
–Cidadania (1º)
–Dignidade da pessoa humana (1º)
–Desenvolvimento nacional ( 3º), independência nacional
(4º), soberania nacional (1º, 170 I)
–Erradicação da pobreza e redução das desigualdades (3º III
e 170 VII)
–Bem de todos (3º) e Bem Estar (193)
–Direitos Humanos (4º)
–Igualdade (5º)
–Justiça Social ( 170 e 193)
–Soberania Nacional (1 I e 170 I)
–Livre iniciativa e valores sociais do trabalho (1º IV e
170)
–Função Social da Propriedade (5º XXIII e 170 III)
–Favorecimento a empresas de pequeno porte (170 IX)
–Dever do Estado: educação (205 igualdade e gratuidade nas
do Estado) e saúde (196 acesso universal igualitário)
–Salário mínimo: capaz de atender a suas necessidades vitais
básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,
vestuário, higiene, transporte e previdência social.
Isso tudo não combina com o neoliberalismo, com o egoísmo,
com o individualismo e consequentemente com as privatizações.
Privatização é qualquer parceria entre o Poder Público e a
iniciativa privada com o intuito de repassar responsabilidade do Estado para os
particulares, de diminuir o tamanho do Estado nas áreas econômicas e sociais.
Também chamada de desestatização.
De forma mais radical as privatizações surgiram nas décadas
de 70, 80 e 90, do século XX, dependendo do país, com o intuito de atacar o
modelo do Estado do Bem-Estar Social e Democrático de Direito, e implementação
do Estado Mínimo, Estado apenas Regulador. Enfim, com o intuito de adoção do
chamado neoliberalismo.
Em sentido amplo existem os seguintes tipos de privatizações:
1. Privatizações em sentido estrito: a venda de uma empresa
estatal (sociedade de economia mista ou empresa pública). É a transferência de
propriedades estatais para privados, como bens e ações. Essa privatização pode
ser total (repasse de mais de 50% para a iniciativa privada, como por exemplo a
venda da Companhia Vale do Rio Doce ou Banestado) ou parcial (venda de
propriedade sem transferência de mais de 50%, por exemplo quando a Petrobrás
vende algumas de suas ações). Também chamada de desnacionalização. Regulada no
Brasil pela Lei 9.491/97 de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que alterou o
Plano Nacional de Desestatização da Lei 8.031/90 de Fernando Collor de Mello
(ex-PRN). Sempre lembrando: uma empresa estatal que existe para fins de segurança
nacional ou a relevante interesse coletivo NÃO PODE SER PRIVATIZADA.
2. Concessões e permissões de serviços públicos nos termos
do art. 175 da Constituição: delegação da prestação dos serviços públicos
privativos às empresas privadas (concessionárias). Não se delega a
titularidade, mas apenas a prestação. O cidadão deixa de pagar impostos e passa
a pagar tarifas. Por exemplo as concessões de estradas com consequente cobrança
de pedágio ou concessões do transporte coletivo municipal. As concessões e permissões
tradicionais de serviços públicos, nos termos da Lei 8.987/95 e 9.074/95. Aqui
também as Parcerias Público-Privadas – PPPs, na modalidade Concessão
Patrocinada, nos termos da Lei 11.079/2004. Essa privatização é constitucional,
é o único caso de possibilidade de delegação de atividades-meio do Estado. Mas
não poderia o Estado privatizar a maioria dos serviços públicos por meio de
concessões.
3. Terceirizações. Contratação da prestação de serviços de
entidades privadas. Também chamada de “contracting out”. Apenas são possíveis
as terceirizações de atividades-meio do Poder Público, e não de atividades-fim.
Por exemplo: a celebração de contrato administrativo, após a realização de
licitação, como regra, com o objeto de prestação de serviços de limpeza em
órgão ou entidade estatais. Aqui estão englobadas as inconstitucionais
delegações de serviços públicos sociais realizadas pela Administração Pública
com as entidades do chamado “Terceiro Setor”, como por exemplo com associações
qualificadas como organizações sociais – OSs, via contratos de gestão. Ver
Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica
(Fórum, 2ª ed., 2010), Uma análise crítica do ideário do “Terceiro Setor” no
contexto neoliberal e as Parcerias entre a Administração Pública e Sociedade
Civil Organizada no Brasil e Estado, Ordem Social e Privatização – as
terceirizações ilícitas da Administração Pública por meio das Organizações
Sociais, OSCIPs e demais entidades do “terceiro setor”. Aqui também as
Parcerias Público-Privadas – PPPs, na modalidade Concessão Administrativa, nos
termos da Lei 11.079/2004.
4. Fomento: a Administração Pública pode fomentar a
iniciativa privada por meio de dinheiro ou isenções/imunidades fiscais. Por
exemplo empréstimos com juros baixos para empresas privadas com fins lucrativos
por meio do BNDES. Ou repasses de verbas para entidades do Terceiro Setor
(convênios com associações e fundações de utilidade pública ou termos de
parceria com entidades do Terceiro Setor qualificadas como OSCIPs –
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público). Mas para vários serviços
sociais como educação e saúde, a principal política pública não pode ser o
fomento à iniciativa privada. O Estado é o principal ator na prestação de
serviços de ensino e saúde.
Tarso Cabral Violin
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