O Estado brasileiro, seguindo a tradição euro-americana,
mantém uma relação com a economia de mercado predominantemente por meio da
intervenção indireta. Adota uma técnica de intervenção que denominamos de
neoliberalismo de regulação. A expressão, com forte aceite nos meandros
doutrinários do Direito Econômico, pode provocar um estranhamento inicial, mas,
em verdade, consiste na pedra fundamental de qualquer construção teórica que
pretenda caracterizar a ação do Estado Democrático de Direito brasileiro no
capitalismo contemporâneo.
É comum, atualmente, atribuir-se o qualificativo neoliberal
a quaisquer iniciativas político-econômicas que se contraponham às ações do que
se conhece por Estado Social, Welfare State, ou Estado-Empresário, como se
todas elas levassem a um retorno ao Estado Liberal, patrono do liberalismo
econômico clássico. Fala-se em onda neoliberal, doutrina neoliberal, designando
uma corrente que propõe liberdade total ao mercado e condena qualquer ação
econômica do Estado. Nilson Araújo de Souza (2007, p. 200) nos afirma que para
os neoliberais outra função não cabia ao Estado além de "proteger a
propriedade privada e seu corolário, o mercado".
A disseminação dessa doutrina, chamada neoliberal, entre os
governos latino-americanos, a partir do Consenso de Washington (1989), foi
feita pelo Fundo Monetário Internacional-FMI e pelo Banco Mundial, os quais
condicionaram seus empréstimos à adoção de políticas de abertura econômica, de
desestatização e de outro modelo de regulação econômica. Mas a adoção dessas
políticas jamais foi realizada de uma só vez, nem foram completamente aceitas.
As medidas para sua implantação foram tomadas paulatinamente no passar da
década de 1990, e mesmo após sua intensificação na segunda metade daquele
decênio não se pode dizer que o liberalismo clássico, estatofóbico, passou a
viger no Brasil.
Aos poucos, foi-se entendendo que seria preciso rever as
posições político-científicas sobre as reformas do Estado e do mercado, pois o
paradigma científico em que nos encontramos é por demais sofisticado para
que subsistam definições simplistas de qualquer fenômeno que seja,
especialmente quando se trata de fenômenos econômicos. Paulo Nogueira Batista
Jr. (2002, p. 52) é incisivo ao lembrar a superficialidade com que os fenômenos
econômicos mais recentes são estudados nos países em desenvolvimento: "O
fascínio pela ‘globalização’ é revelador do estado de prostração mental e
desarmamento intelectual em que se encontram países como o Brasil".
Assim, é preciso rever o significado de neoliberalismo. O
termo neoliberal deve ser entendido, mais adequadamente, como união do prefixo
neo à palavra liberal, e por isso, deve significar um novo liberal; quer dizer,
neoliberalismo é um novo modelo de liberalismo. Neoliberais não são as teorias
como a de John Williamson, que presidiu o Consenso de Washington, mas sim as
políticas econômicas e os novos modelos de Estado estruturados com inspiração
naquelas. No mesmo sentido, o New Deal (baseado no reformismo keynesiano) e o
Estado Social jamais representaram um socialismo puro. Tanto no início
(Revolução Russa de 1917) como no fim (Consenso de Washington) do século XX surgiram
posições teóricas extremistas quanto à função do Estado no mercado, mas a
implementação delas nos meios jurídico e econômico é realizada com diversas
adaptações, e por causa destas é que podemos chamar neoliberais todos os
arranjos que se fizeram na estrutura dos Estados. Essas adaptações aproveitaram
sempre princípios liberais originais, preservando-se o mercado, porém, ora o
Estado intervém com mais vigor na economia, ora com menos.
O liberalismo econômico, cujo expoente maior foi Adam Smith,
permitiu ao sistema capitalista desenvolver as potencialidades de um mercado
livre, com um Estado minimamente interventor. Norberto Bobbio (2006, p. 23) nos
lembra que o Estado só deveria agir em defesa da sociedade contra inimigos
externos, em defesa dos indivíduos contra eles mesmos, e no desempenho de obras
públicas desinteressantes à iniciativa privada.
Quando o liberalismo econômico clássico, ao lado do
liberalismo político (gravado nas Constituições), já não era suficiente para
dar ao mercado condições seguras de crescimento – em meio a intensos conflitos
sociais e ao surgimento do socialismo real (desde 1917, na Rússia) – um novo
liberalismo emergiu. Na maioria dos países de constituição escrita, os Textos
Magnos passaram a incluir direitos do trabalhador e normas de ação direta e
indireta do Estado no domínio econômico. Nos Estados Unidos (New Deal) e na
Inglaterra, as mudanças ocorreram diretamente no âmbito das políticas
econômicas, as quais passaram a ser mais contundentes e planejadoras do que
meramente subsidiárias às privadas.
Mais adiante, durante a Guerra Fria, as condições de
crescimento econômico mudaram severamente, e para melhor. A tecnologia oriunda
da indústria bélica invadia os meios de produção tornando o sistema cada vez
mais eficiente. O mercado adquiriu novamente grande capacidade autônoma de
expansão, e diante dos sucessivos fracassos do socialismo real da ex-União
Soviética, iniciou-se uma importante re-configuração neoliberal; agora, o
Estado devia afastar-se progressivamente da exploração direta da atividade
econômica (do chamado Estado-empresário). Ademais, o fim definitivo do
socialismo real e as "falsas novidades da globalização" abriram as consciências para o Consenso de
Washington, segundo o qual Estado e atividade econômica devem se afastar. No
Brasil, as mais recentes reformas constitucionais são reflexos desse novo
neoliberalismo econômico.
Veremos a seguir, num tom ainda introdutório, as
características e denominações adequadas para cada período de reformulação do
neoliberalismo econômico, fazendo uma relação com os respectivos modelos de
Estado. Antes, porém, algumas observações serão feitas quanto às dificuldades
com o uso do termo neoliberalismo.
QUEM É NEOLIBERAL?
Nilson Araújo de Souza (2007, p. 199) lembra que o ideário
presente no Consenso de Washington sistematizava o que se passou a chamar de
neoliberalismo. A expressão neoliberal tem sido usada, então, para designar uma
retomada teórica em favor de um Estado mínimo e a radicalização da autonomia do
mercado.
Em artigo, Luiz Carlos Bresser Pereira defende as
reformas no aparelho do Estado (pelas quais foi o principal responsável, à
frente do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado) e diz que
elas não são neoliberais, e questiona:
Desde quando eliminar monopólios estatais, desde quando
eliminar privilégios na previdência e recuperar seu equilíbrio financeiro,
desde quando reformar o aparelho do Estado e tornar a burocracia mais
responsável perante o governo e a nação, desde quando privatizar, desde quando
abrir o país comercialmente de forma pragmática, desde quando lugar dia a dia
(sic) pelo ajuste fiscal e a estabilidade da moeda é estar engajado em reformas
neoliberais? (BRESSER PEREIRA, 1997, p.68)
Ser neoliberal, também para Bresser Pereira, é defender um
Estado mínimo. Descreve o pensamento neoliberal: "Já que o Estado se
tornou um problema, (...), vamos reduzir o Estado ao mínimo e entregar toda a
coordenação da economia ao mercado".
Entre os juristas, Robério Nunes dos Anjos Filho (2004, 349)
afirma que "nos anos posteriores à promulgação da Carta houve uma série de
reformas constitucionais e inovações legislativas que penderam para a matriz
neoliberal. " E não está só. Daniel Sarmento (2004, p. 401) assevera:
Com efeito, nossa Constituição, que consagra um modelo de
Estado do Bem-Estar Social, fortemente intervencionista, foi pega no contrapé pela
onda neoliberal que varreu o mundo na fase final do séc. XX. Assim, a partir de
1995, o governo federal, (...) iniciou um ciclo de reformas na ordem envolvendo
a extinção de certas restrições existentes ao capital estrangeiro (EC n. 6 e 7)
e a flexibilização de monopólios estatais sobre o gás canalizado, as
telecomunicações e o petróleo (EC n. 5, 8 e 9).
Então, por que queremos chamar neoliberal (neoliberalismo de
regulação) a atuação econômica do atual Estado brasileiro? A resposta, como já
vimos, parte de uma perspectiva diferenciada. É neoliberal, não porque se trata
de uma tendência de retorno ao liberalismo econômico clássico, mas porque
preserva princípios originários deste e os faz conviver com técnicas diferentes
de ação econômica do Estado. As reformas do New Deal, portanto, instituíram as
técnicas do neoliberalismo de regulamentação, e as reformas constitucionais e
políticas pós-Consenso de Washington, as do neoliberalismo de regulação. O
primeiro neoliberalismo exigiu um Estado Social, cuja atuação no domínio
econômico se dava diretamente (via empresa pública, sociedade de economia mista
e fundações) e indiretamente (mediante rígidas normatizações), tudo em nome do
desenvolvimento ou do crescimento (CLARK, 2008, 69). O segundo se realiza no
Estado Democrático de Direito, e as intervenções diretas passam a ser
minimizadas e prioriza-se a intervenção
indireta (eis que aparecem no cenário jurídico as Agências Reguladoras).
Um neoliberalismo não requer necessariamente o Estado
mínimo, digo, o Estado de Direito, mas pode apresentar-se no Estado Social ou
no Estado Democrático de Direito. Na mudança dos modelos de Estado encontramos
o liberalismo, passamos pelo neoliberalismo de regulamentação e chegamos ao
neoliberalismo de regulação.
DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
O Estado moderno foi concebido sob a predominância de uma
tradição política liberal consubstanciada na idéia fundamental de limitação da
autoridade estatal. Norberto Bobbio (2006, p. 17) nos define o liberalismo como
uma doutrina do "Estado limitado tanto com respeito aos seus poderes
quanto às suas funções". Não se deveria permitir ao Estado interferir na
esfera dos particulares, onde se viveria em liberdade, com segurança e desfrutando
dos benefícios da propriedade privada. A garantia de que o Estado não
interferiria na vida dos particulares era dada pela Constituição, que
determinava os limites de sua atuação e representava a assinatura de um
Contrato Social.
O Estado Liberal, ou simplesmente Estado de Direito, foi o
reflexo político-jurídico dos anseios de uma nova sociedade racionalista e
expansionista, que vivia um capitalismo ainda incipiente. As conquistas dessa
sociedade representaram o desmanche do Antigo Regime, uma época em que o Estado
detinha grandes poderes de interferência no mercado através de políticas
econômicas conhecidas como mercantilismo. Neste, o Estado atuava na esfera
econômica ao definir comandos para importação e exportação, estabelecer
impostos para as atividades produtivas internas, exercer o poder de polícia e
organizar o mundo do trabalho (CLARK, 2001, p. 18).
A política econômica mercantilista foi responsável pelo acúmulo de capitais necessário para a industrialização e incremento das atividades comerciais européias a partir do século XVIII. Neste mesmo século em que se formou a esfera pública burguesa, a doutrina liberal era aceita como fundamento de um novo Estado e de uma nova sociedade. A liberdade do indivíduo, a emancipação do homem europeu (nessa época, também do homem norte-americano) dependia, ao mesmo tempo, de uma limitação do poder e de uma ação protetora estatal que permitissem o máximo desenvolvimento das suas faculdades. Faculdades que estavam compreendidas essencialmente no âmbito de uma liberdade econômica, que proporcionou o nascimento e o desenvolvimento da sociedade mercantil burguesa.
A política econômica mercantilista foi responsável pelo acúmulo de capitais necessário para a industrialização e incremento das atividades comerciais européias a partir do século XVIII. Neste mesmo século em que se formou a esfera pública burguesa, a doutrina liberal era aceita como fundamento de um novo Estado e de uma nova sociedade. A liberdade do indivíduo, a emancipação do homem europeu (nessa época, também do homem norte-americano) dependia, ao mesmo tempo, de uma limitação do poder e de uma ação protetora estatal que permitissem o máximo desenvolvimento das suas faculdades. Faculdades que estavam compreendidas essencialmente no âmbito de uma liberdade econômica, que proporcionou o nascimento e o desenvolvimento da sociedade mercantil burguesa.
O Estado de Direito, no âmbito da doutrina liberal, é aquele
em que os poderes públicos estão subordinados às leis gerais do país (limite
formal), mas também as leis estão subordinadas ao limite material dos direitos
fundamentais considerados constitucionalmente (Bobbio, 2006).
Seguramente, o intuito de um État Gendarme (Estado-guardião) e com poderes limitados para intervir no domínio privado dos indivíduos era o de promover o máximo desenvolvimento das faculdades de uma sociedade dominada pelos ideais econômicos burgueses, uma vez que eram estes que acabavam de promover o surgimento de uma esfera pública política. A emancipação desta esfera pública passava obviamente pelo sucesso das atividades econômicas privadas, para o qual um Estado absoluto e exageradamente interventor deixou de ser útil.
Seguramente, o intuito de um État Gendarme (Estado-guardião) e com poderes limitados para intervir no domínio privado dos indivíduos era o de promover o máximo desenvolvimento das faculdades de uma sociedade dominada pelos ideais econômicos burgueses, uma vez que eram estes que acabavam de promover o surgimento de uma esfera pública política. A emancipação desta esfera pública passava obviamente pelo sucesso das atividades econômicas privadas, para o qual um Estado absoluto e exageradamente interventor deixou de ser útil.
Nesse contexto, os ideais econômicos perseguidos exigiam uma
reestruturação do Estado. Há, pois, uma relação direta entre os interesses
dominantes na esfera pública burguesa e a formação do Estado Liberal. Aquela se
interessava por uma afirmação do mercado, do livre comércio e da livre
contratação, e este, então, devia garantir o espaço propício para tanto. As
economias nacionais deveriam ser reguladas pelas leis do mercado e,
minimamente, por leis estatais. Daí a idéia de um Estado mínimo, pouco
intrometido nas atividades econômicas, as quais deveriam ser desempenhadas
prioritariamente pela iniciativa privada. Todavia, os poderes públicos não se
quedam totalmente inativos do âmbito socioeconômico, aliás pelo contrário, como
ensina Clark (2001, p. 21)
O Estado Liberal, cujos registros históricos nos remetem à
Revolução Francesa, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
deveria permitir o estabelecimento de uma economia ao máximo livre das
interferências do Estado, e que atuasse simplesmente sob os ditames da
liberdade, da igualdade e da fraternidade entre os indivíduos, os quais
deveriam ser livres para agir economicamente. O pressuposto filosófico estava
no jusnaturalismo (Bobbio, 2006, p. 12).
A doutrina dos direitos naturais, de fato, está na base das
Declarações dos Direitos proclamadas nos Estados Unidos da América do Norte (a
começar de 1776) e na França revolucionária (a começar de 1789), através das
quais se afirma o princípio fundamental do Estado liberal como Estado
limitado:/O objetivo de toda associação política é a conservação dos direitos
naturais e não prescritíveis do homem (art. 2º da Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, 1789).
Contudo, o crescimento industrializado das economias
nacionais, uma das razões de existir do Estado Liberal, veio, no decorrer do
século XIX, tornar-se fator decisivo para que se mostrassem grandes desafios a
serem enfrentados. A exploração de milhares de trabalhadores (crianças e
adultos, com jornadas de 14 horas) propiciou uma forte contestação do modelo de
Estado em vigor. Movimentos sociais operários espalharam-se pelo "Velho
Continente" nos primeiros anos do século XX, e contracorrentes do
liberalismo ganhavam cada vez mais evidência.
As idéias que surgiam nesse início do século XX previam a
atuação incisiva do Estado na economia a fim de solucionar as crises cíclicas
do mercado e amenizar o caos social provocado pelo capitalismo até então, e,
com isso, impedir o desmoronamento desse sistema de produção, como havia
ocorrido com o mercantilismo tempos atrás. Sob as lições de J. M. Keynes, as
políticas econômicas públicas foram reformuladas, e o novo modelo foi muito bem
sucedido. Tanto que, depois da Segunda Guerra Mundial, a ação econômica do
Estado foi decisiva para a reconstrução das economias européias. A partir de
então, assumiram que o capitalismo não sobreviveria sem o auxílio e a
participação direta do poder estatal.
No Brasil, os anos de 1950 a 1970 representaram o ápice dessa atuação, quando ocorreu uma reestruturação da Administração Pública e o surgimento de entes estatais prestadores de serviços públicos universais (saúde, previdência) e empresas públicas para realização de atividade econômica (mineração, transporte aéreo, telefonia etc.). Esse é o neoliberalismo de regulamentação. O Estado, assim como ficou configurado nas Constituições nacionais (primeiro no México, em 1917, e na Alemanha, em 1919 [Weimar]), ficou conhecido nesse período como Estado Social, Estado-Providência, ou Estado do Bem-estar (Welfare State). Esses ideais predominaram até que uma crise abatesse as economias capitalistas e, com isso, prefigurassem novas técnicas de intervenção econômica dos Estados.
No Brasil, os anos de 1950 a 1970 representaram o ápice dessa atuação, quando ocorreu uma reestruturação da Administração Pública e o surgimento de entes estatais prestadores de serviços públicos universais (saúde, previdência) e empresas públicas para realização de atividade econômica (mineração, transporte aéreo, telefonia etc.). Esse é o neoliberalismo de regulamentação. O Estado, assim como ficou configurado nas Constituições nacionais (primeiro no México, em 1917, e na Alemanha, em 1919 [Weimar]), ficou conhecido nesse período como Estado Social, Estado-Providência, ou Estado do Bem-estar (Welfare State). Esses ideais predominaram até que uma crise abatesse as economias capitalistas e, com isso, prefigurassem novas técnicas de intervenção econômica dos Estados.
A revolução tecnológica ocorrida nas últimas décadas do
século XX e o soerguimento das economias européias – antes fragilizadas com as
duas Grandes Guerras – modificaram as condições de atuação econômica da
iniciativa privada. Muito mais capaz, o mercado se achava agora demasiadamente
dependente do Estado. Crises, como a do Petróleo nos anos 70 passados, do
avanço das lutas sociais, dos entraves burocráticos e da possível redução media
dos lucros, dentre outros, são motivos para surgissem novas exigências,
principalmente dos donos do capital. Por fim, a queda do muro de Berlim – e,
com o muro, caíra também a hipótese de viabilidade de uma economia socialista,
pelo menos no modelo aplicado na União Soviética – criou um ambiente propício a
uma nova guinada dos ideais liberais de tendência ao Estado mínimo (BOBBIO,
2006).
O capitalismo aparecia – agora mais acreditado – como único
modelo de produção possível (SOUZA CRUZ, 2003, p. 481). Como já foi tratado, os
incentivos internacionais para o desenvolvimento de economias pobres foram
acompanhados de recomendações/imposições para uma reforma do Estado, com base no
documento chamado Consenso de Washington. O cerne das novas idéias estava na
alteração das funções estatais no domínio econômico: deveria ser abandonado o
modelo de intervenção direta através das empresas estatais, pois este se
mostrou, em discutível suposição, caro, ineficiente e impróprio para a
realização dos direitos fundamentais do homem.
Queriam os donos do dinheiro-poder, um Estado mínimo, pois, com o uso crescente de tecnologias, o capital privado tornou-se apto a investir em setores básicos, como a telefonia, a energia elétrica, a aviação civil, a saúde e a educação. Ou seja, foram alargadas as fronteiras para os ganhos via juros e lucros.
Queriam os donos do dinheiro-poder, um Estado mínimo, pois, com o uso crescente de tecnologias, o capital privado tornou-se apto a investir em setores básicos, como a telefonia, a energia elétrica, a aviação civil, a saúde e a educação. Ou seja, foram alargadas as fronteiras para os ganhos via juros e lucros.
Neste contexto, surgem enfim o Estado Democrático de Direito
e o neoliberalismo de regulação. Aquele procura destruir as bases
constitucionais de governos autoritários, e este, por sua vez, visa concentrar
as ações do Estado na economia através da intervenção indireta.
O Estado Democrático de Direito nasceu no Brasil com a
Constituição de 1988, e a consolidação teórica do que, em geral, deve
representar esse conceito em terrae brasilis é tarefa árdua que tem ocupado a
academia jurídica e seus mais avançados expoentes . Mas no que se refere,
estritamente, à Constituição Econômica, as mudanças político-jurídicas são
demasiado profundas, o que nos permite falar na presença de um neoliberalismo
de regulação, após as Emendas Constitucionais realizadas a partir de 1995.
Aquele foi configurado principalmente pela criação das Agências Reguladoras,
entes públicos que acumulam funções técnico-setoriais de regulação nos três
âmbitos da Federação (Federal, Estadual e Municipal).
Washington Peluso Albino de Souza (2005) nos esclarece que a
regulação deve ser considerada como uma espécie de "graduação" da
ação do Estado no domínio econômico, no "modo de conduzir a política
econômica"; e acrescenta:
Os objetivos da "regulação, portanto, enquadram-se no
mesmo sistema operacional da "intervenção". De certo modo, a
Regulação afasta-se da forma densamente intervencionista do Estado do
Bem-Estar, ou das atuações diretas do Estado-Empresário. Orienta-se no sentido
do absenteísmo, sem jamais atingi-lo completamente, sob pena de negar a sua
existência, por ser, ela própria, uma forma de "ação" do Estado.
Com Luís Roberto Barroso (2003, p. 291), ao analisarmos a
reforma do Estado no Brasil, é fundamental compreender que as reformas
econômicas não chegaram a produzir um modelo que possa ser identificado com o
de Estado mínimo. "Pelo contrário, apenas deslocou-se a atuação estatal do
campo empresarial para o domínio da disciplina jurídica, com a ampliação de seu
papel na regulação e fiscalização dos serviços públicos e atividades
econômicas". Isso é o neoliberalismo de regulação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todas as modificações na concepção teórico-política do Estado,
realizadas para garantir a sobrevivência do sistema de produção capitalista,
tiveram reflexo direto na estrutura estatal constitucionalizada; é dizer, à
medida que o ambiente econômico exigiu alterações no modo de agir estatal,
modificaram-se os textos constitucionais com novos institutos, novos direitos e
nova estrutura administrativa.
O Estado Democrático de Direito brasileiro, com suas
políticas econômicas neoliberais de regulação, permite que a Petrobrás, o Banco
do Brasil, o BNDES e o Banco Central, bem como políticas sociais como
"bolsa-família" e "fome zero" convivam com programas de
desestatização, e a criação das Agências de Regulação. Ao mesmo tempo que há
grande abertura para o capital estrangeiro (com a revogação do Art. 171 da
CF/88), reafirmam-se os direitos coletivos (como os do Consumidor e de
preservação do Meio Ambiente) e permanecem intactos os artigos da Constituição
que tratam de planejamento e da função social da propriedade. Logo, devemos
entender o Estado brasileiro, sim, como neoliberal, mas em sentido diverso do
comumente divulgado.
A economia brasileira acatou as recomendações do Consenso de
Washington, mas não absolutamente; a Reforma do Estado extinguiu monopólios e
privatizou, mas sem a retração do aparelho estatal a ponto de se falar que
ressurgiu o Estado mínimo. O Estado brasileiro é um Estado regulador
(neoliberalismo de regulação).
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