"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Temer e o Estado Mínimo


 Flávia Bemfica

Sob o argumento de que fará um governo de austeridade, o governo de Michel Temer (PMDB) coloca em curso um pacote de reformas que muda o modelo de desenvolvimento do país. O Brasil substituirá o modelo ancorado em direitos e deveres sociais, baseado na Constituição de 1988, pelo modelo do Estado Mínimo. As mudanças mexem nos pilares da organização social: direito à saúde, direito à educação, regras do mundo do trabalho e assistência à velhice. Temer também quer repassar ao setor privado o que for possível da atuação em áreas que dizem respeito ao desenvolvimento do país, como obras de infraestrutura e o controle sobre as reservas de pré-sal.

Proposta de Emenda à Constituição do teto

A PEC 241/2016 foi enviada à Câmara quando Michel Temer (PMDB) ainda estava como interino. Ela cria o Novo Regime Fiscal que vigorará por 20 anos. A partir de 2017 a despesa anual não poderá ser superior à despesa primária realizada no ano anterior, corrigida apenas pela inflação. O projeto atinge recursos da saúde e educação. Os críticos apontam como uma espécie de cilada, porque, na prática, o que traz embutido é a redução forçada do Estado, abrindo caminho para que os investimentos privados.

A PEC foi aprovada por 33 votos a 18 na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados no início de agosto. Sete deputados apresentaram voto em separado. Agora, aguarda parecer do relator na Comissão Especial da Câmara criada para analisá-la. O relator é o gaúcho Darcísio Perondi (PMDB), ferrenho defensor do impeachment de Dilma e que, desde o início do processo, tentou mostrar proximidade de Temer. Se a Comissão aprovar o projeto, ele segue para Plenário, onde será apreciado em dois turnos, e depois é encaminhado ao Senado. No dia 18 de setembro, representantes da Campanha Nacional pelo Direito à Educação entregaram na 71ª Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova Iorque um dossiê endereçado à Education Commission sobre a PEC 241 e os anúncios recentes que tratam da extinção de programas e de privatizações.

Reforma da previdência

Na última semana de setembro, Temer considerou que pode deixar a reforma previdenciária para 2017. A decisão ocorreu após o ministro chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, ter afirmado que o texto estava pronto e deveria seguir para o Congresso ainda em setembro. E de o próprio Temer, no início do mês, ter assegurado que enviaria a proposta ao Congresso antes das eleições.

O que há de mais certo, por enquanto, é que a reforma altera de forma substantiva o fim da vida produtiva. Após sua implantação, homens e mulheres, para se aposentarem, precisarão ter menos de 65 anos de idade e ter contribuído para a Previdência por no mínimo 25 anos. O benefício integral só será concedido a trabalhadores que tenham entre 45 anos e 50 anos de contribuição total ou trabalho com carteira assinada. Quem se aposentar com 65 anos de idade e 25 de contribuição receberia cerca de 75% da média salarial, e um ponto percentual a cada ano de contribuição extra até o limite de 100%. Pelo que já foi ventilado, a mudança valeria para homens com menos de 50 anos de idade e mulheres e professores com menos de 45 anos. Aqueles com idades superiores e que não se aposentaram terão uma regra de transição. O governo discute mais de uma possibilidade de regras de cálculo.

A reforma prevê ainda o fim do acúmulo de aposentadoria e pensão por morte. Ante a impopularidade da desvinculação de aposentadorias do salário mínimo, o governo recuou. Mas deve fazer a desvinculação em relação a outros benefícios.

Reforma do ensino médio

No final de setembro, o governo lançou via Medida Provisória a MP 746/2016, uma reforma no ensino médio. A repercussão foi imediata, tanto pela forma autoritária de propor as mudanças, como pelas alterações em si, apontadas como uma forma de desestimular o pensamento crítico. As polêmicas começam pelo fim da obrigatoriedade das disciplinas de Filosofia, Sociologia, Artes e Educação Física. Depois da reação negativa, o governo fez um pequeno ajuste, para que as quatro disciplinas sigam sendo ministradas até o segundo ano letivo após a aprovação da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que deve ocorrer “em meados de 2017”. Mas a garantia de que integrem o currículo foi retirada da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Ou seja, o governo fez de conta que capitulou, mas manteve sua posição inicial. Além disso, a MP estabelece que somente Português, Matemática e Inglês são disciplinas obrigatórias. A justificativa do Ministério da Educação (MEC) é de que os conteúdos essenciais de todas as outras disciplinas acabarão contemplados no conteúdo obrigatório a ser definido pela BNCC.

A MP estabelece também que o ensino médio possa ser organizado em módulos e com um sistema de créditos ou disciplinas, mas não detalhou como. Quanto às escolas e redes de ensino, não serão obrigadas a oferecer as cinco modalidades de ênfase do currículo (Linguagens, Matemática, Ciências da natureza, Ciências humanas e Formação técnica). A Formação técnica e profissional, que passa a ter peso equivalente às outras quatro modalidades, inclui para o aluno a possibilidade de “experiência prática no setor produtivo”. E os professores poderão ser “profissionais com notório saber”. Até então, a lei exigia que eles fossem trabalhadores da educação com diploma técnico ou superior em área pedagógica ou afim. O pacote de mudanças também amplia ‘progressivamente’ a carga horária, que hoje é de 800 horas no ano, para 1.400 horas, sem estabelecer prazo para a ampliação e o mínimo de dias letivos no ano (hoje são 200).

Reforma trabalhista

O objetivo do governo é a flexibilização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de forma que os acordos coletivos entre patrões e empregados possam prevalecer sobre a legislação. A mudança é pleiteada pelas maiores entidades representativas do empresariado, como a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

A proposta do governo tem um alvo: o artigo 7º da Constituição Federal, que elenca 34 direitos de trabalhadores urbanos e rurais e, por isso, abarca uma ampla gama de conquistas obtidas ao longo de décadas, e que vão das regras do FGTS ao tempo de intervalo para o almoço. Entre eles, estão alterações em pontos que tratam do limite da jornada diária de trabalho, banco de horas, redução de salário, alíquotas de adicional noturno e insalubridade, auxílio-creche, salário mínimo para meio-expediente, participação em lucros e resultados, possibilidade de divisão de férias, parcelamento do 13º salário, remuneração quando o trabalhador fica à disposição do empregador e licença-paternidade. Seriam poupadas da reforma as regras em vigor para o seguro-desemprego, o salário-família, a remuneração de 50% acima da hora normal, o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço e a licença-maternidade de 120 dias.


O governo inicialmente assegurava ter pressa em implementar a reforma. Mais uma vez, contudo, se ‘atrapalhou’ na comunicação e voltou atrás depois de o detalhamento de parte das medidas ter recebido críticas contundentes de entidades de trabalhadores e de movimentos da sociedade organizada. A confusão começou no início de setembro quando, após encontro com sindicalistas em Brasília, o ministro do Trabalho, o gaúcho Ronaldo Nogueira (PTB), ter anunciado que a proposta do governo incluía carga horária diária de até 12 horas e possibilidade de contrato de trabalho por horas trabalhadas e por produtividade. Ante a repercussão negativa, o ministro disse que havia ocorrido um mal-entendido. No final do mês, afirmou que a reforma ficará para o segundo semestre de 2017.

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